O CAMINHO ERRADO - por Artur Alonso

 


Aquele que tem um porquê para viver pode enfrentar quase todos os comos”

(Friedrich Nietzsche)

A falta de compreensão do dualismo marca todavia o estado de baixa consciência da humanidade (a facilidade com que a humanidade toma partido por um certo lado).

Não entender que o atrito entre os contrários – que favorece o movimento, percorre a via da síntese; enquanto que a analogia dos mesmos “supostos contrários” descobre a unidade na sua etapa final de harmonização. Essa falta de compreensão sempre favoreceu o fanatismo dos antagonistas e, pelo tanto, a guerra contínua da cegueira (provocada pela ignorância).

O niilismo que domina o Ocidente, nasceu como hasteio do engano de apresentar o continuo progresso como algo realizável, dentro da matéria. O medo à vida, inerente ao desengano de ser possível pela vontade individual conquistar através dos avanços científico-tecnológicos o domínio total da natureza, tornou a psique ocidental em fraca.

A visão do Ocidente como o farol do mundo, destinado a comandar à humanidade ate uma ascensão material sem limite, tocou fim. Esse medo a vida, próprio duma sociedade decadente que se desiludiu, tomo corpo no organograma social.

A noção dum ser que se sente e se vive doente – e procura focar toda sua atenção naquela doença psíquica de pressentir a vida nada significar – junto a ideia do nada tornar-se centralidade – fixou suas raízes nas falsas “criadas necessidades” de alimentar os desejos corporais, sensoriais… Tentando minorar aquela desorientação duma sociedade que perdeu seu aliciante de vida, por meio da exaltação – normalização dos vícios.

O idealismo ocidental materialista – a coluna central – sobre a qual o Ocidente construiu sua narrativa –foi derrubada pela evidencia. A queda de Deus – após o trunfo do pragmatismo material – no Ocidente que sonhou entender todos os engrenagens da física, pareceu inevitável após as achegas de Copérnico de Newton (que não eram precisamente ateus). E, no entanto, hoje, o poder daquele Ocidente liberal, em ascensão, trabalhado em séculos, chegou a seu declínio.

Aquela ideia de poder material racional cientifico – tecnológico, capaz de marcar um continuo progresso, não permite agora um refugio, ainda que for “ilusório”, na possibilidade duma outra vida no além, mais em paz, mais confortável.

A cisão entre o mesmo modo de vida Ocidental – em confronto com os ciclos vitais da natureza – e o mundo, trazem uma necessidade de escape da realidade.


Esse alivio se procura nos mundos oníricos do consumo imediato, da medicação como forma de acalmar o tormento ou, nos espaços mais sórdidos onde a “banalização” do sexo (voltado falso mecanismo de libertação das amarras psicológicas) conduz, pela mesma dinâmica social de “consumo imediato” a uma satisfação efémera – que aumenta a insatisfação constante, que logicamente, a esta “ilusória” realização imediata segue.

Tu, Senhor, és a bondade e recompensas cada um, segundo as suas ações”

(Salmo 62:13)


O caminho entrópico do Ocidente – levou precisamente as mentes mais esclarecidas do mesmo centro ocidental, a entender que todo o desenvolvimento social necessário durante a era do mercantilismo, assim como todo o desenvolvimento da psique individual (que precisou separar-se, durante o iluminismo, da “superstição religiosa”), agora durante o neo-liberalismo, chegou a seu limite biológico (atingido no modelo económico na queda do pulmão financeiro durante 2007-2008).

Para retomar a via da sanidade era preciso pois voltar a entroncar – entrelaçar o caminho transitório da realização material – desde seu campo mais elevado: o cientifico – tecnológico, com o saber transcendental (que ainda se conservava vivo no resto das velhas tradições espirituais do próprio Ocidente, pelas suas dinâmicas materialistas, anteriormente, rejeitadas) E, a um tempo, tomar as achegas das filosofias mais transcendentais do Oriente.

Este impulso foi dado por todo o século XX, após a deceção de duas Guerras – onde o modelo civilizacional britânico acabou também por expor suas misérias. As alternativas fascistas e soviéticas se tornaram também impossíveis de concretizar, pelos fatos, num sonho mais atraente.

Finalmente o ideal de “excepcionalismo” norte-americano mostrou também sua face perversa – a partir de toda a “guerra fria” e mais tarde, nos inícios do novo século, com seu fracasso no Meio Oriente – ou Ásia Ocidental (como gostam agora de chamar os poderes emergentes).


Em essa procura dum caminho de retorno, para evitar a perda da alma humana e queda no abismo, as mais valorosas mentes do Ocidente coletivo, abriram também a voz aos povos originários do mundo, e os valores dos caminhos espirituais da América e da África (apagadas nos processo de colonização, primeiro física e depois económica, do Ocidente) que foram de novo postas sobre a mesa para seu, posterior, estudo.

Descobrindo o caminho de todas “sendas de salvação da alma” em todo o mundo eram condizentes.

A unidade Ciência – Espiritualidade, se tornava mais possível num mundo fincado na pegada material racionalista, com as achegas da nova “física quântica”- que se bem não afirmava nada em este sentido, abria as portas na “noosfera” para aproximações mais abrangentes, e, pelo tanto, abriram a porta da nossa psique para aprofundar naqueles caminho de rê-encontro do nosso humano ser – com o “divino” mais Transcendente.


Todo homem é uno quanto ao corpo, mas não quanto à alma”                                                      
(Hermann Hesse - O Lobo da Estepe)

A Ideia holística do mito da “Rede de Indra” – presente também, com outros matizes, em outras mitologias, nós animava também de novo a voltar o olhar a rede natural da vida – tentar compreender melhor seu mecanismo de homeostase – focando agora a atenção naquele princípio de “ajuda mútua”. Marcando metas muito além, das falsas leituras interessadas – sobre “primazia das espécies melhor adaptadas” (que procuraram sempre desviar esta abordagem para legalizar uma sociedade de classes e uma guerra permanente com os visionados como mais fracos – e pelo tanto menos competentes).

Se chega, por este caminho a perceber, que o percurso humano – ao criar “necessidades” impulsa a criatividade, em todas as áreas.

Hoje, a necessidade de ultrapassar o “niilismo” que se voltou limitativo, destrutivo e entrópico – nos conduz a ultrapassar, em todos os campos de pesquisa, a simples visão materialista da vida. A necessidade de transcender o intranscendente – chama a olhar no pensamento dos “velhos avós” abandonado, numa velha época onde a explicação mágica da vida, deixará de ter sentido.

Observando aquele pensamento inscrito em todas as mitologias – descobrimos a vida humana no coletivo – como um tornar e retornar (tal como afirma Lugh: “eu torno – e retorno”) dentro dos ciclos naturais e cósmicos, desde uma fonte original – cuja essência está na semente – até de novo o recontro – reintegração com a mesma.


No Individual o caminho do herói de Josep Campell, assenta com a ideia de aperfeiçoamento humano, por meio da experiência na matéria, com aquele outro estudo dos “Contos maravilhosos” de Vladimir Propp.

E se complementam com o estudo dos “arquétipos” de Carl Jung, a vez que fluem ate o estudo da velhas divindades de todas as mitologias – sobre todo no seus aspetos de “Avataras” ou filhos da Divindade – como guias – do caminho de superação das provações da vida.

Aquele caminho da morte para as atrações materiais efémeras (e pelo tanto ilusórias) e o renascimento na nova vida espiritual (uma vez ultrapassado o medo à morte), conquistada ao aceder ao “Amor Incondicional” que se entrega aos outros, sem aguardar nada em trocas.

Este laborioso caminho de procura duma “Consciência Maior” – no individual e no coletivo – é um caminho lento, marcado por ciclos – ascendentes e declinantes – mas imprescindível de trilhar, para finalmente ultrapassar o “tempo das encruzilhadas” – Aquele no que certos “Centros Geográficos” em decadência – se enveredam no “labirinto” das próprias mentiras – tornando sua sustentabilidade quase num impossível – Levando suas sociedades a perda da velha gloria – declínio.


Se salvar pelos meios que lhe arruinaram, essa é a obra-prima dos grandes homens.”

(Victor Hugo - Os Miseráveis)

No entanto, das achegas universais (daqueles velhos centros), novos centros, em outros locais, se levantam – novas sociedades e novos modelos económicos, políticos e culturais surgem. E como a ave fénix a humidade, em seu conjunto, em esses novos centros, com seus novos paradigmas, ressurge.

Mesmo assim, antes, terão de ser ultrapassadas as difíceis encruzilhadas – que na falta da mudança pelo amor, nos trazem, por essa ser a natureza da nossa escolha (devido a nossa baixa tónica evolutiva) àquela outra mudança pelo rigor – que cria atrito, também em excesso.

Se o excesso de atrito, em excesso friccionar – em algum dos nódulos formados pelas mesmas dinâmicas de contração - a guerra pode estalar e mesmo arrastar a toda a humanidade.

Se por esse caminho da perdição nos empenhamos em caminhar, pela falta de dialogo aberto, teremos de recolher a desolação e terrível aprendizagem dessa amarga experiência.

Se estivermos prontos para esta nova mudança, com critérios mais abertos abordar, aquele horizonte da guerra será salvo.


Perigosa a ameaça de guerra, num mundo carregado de poder nuclear. Mas também auspicioso, se os poderes em confronto entender essa mesma realidade, criar, uma necessidade de abrir-se a um caminho, lento, difícil, íngreme de dialogo aberto. Caminho preciso para gerar uma nova confiança.

Do que já não pode ninguém escapar – é que o novo caminho, que aquele velho caminho errado vai emendar, passa por procurar – dentro de nós – o transcendente. E, num mundo tão abertamente multipolar – a necessidade – de novo nos obriga a entender, que esse novo caminho em procura do transcendente – somente pode ser trilhado respeitando o caminho individual, escolhido por cada ser humano – e respeitando o caminho, que pela suas próprias tradições, escolher cada povo.

A visão isolacionista de tentar impor um determinado credo (um determinado Deus, com um determinado nome, para um determinado povo – nascido para comandar a toda a humanidade) morre, em favor da nova visão reintegracionista – de um Origem comum, “Fonte” que a todo cometa.

Aqui (nesta nova abordagem) cada credo, cultura e sociedade interpreta “aquele transcendente” de uma determinada maneira, cingido a seus patrões culturais diversos. Aqui os diversos nomes para Deus, das diversas culturas , credos e sociedades, matem seus caminhos abertos à confluência, pelo amor, o diálogo e a confiança mútua – sabendo, que no final, todos os caminhos (e todos os caminhantes) serão unidos pela Fonte Inicial – da qual todo surge.

Dai que a visão isolacionista – que exclui – deverá deixar passo a nova visão reintegracionista – universalista – que inclui.


E o velho caminho, que virou errado, será revezado pelo novo caminho – ainda incerto, mas cheio de possibilidades…

FAUSTO

Que sou eu, se não posso alcançar, afinal,

A coroa com louros da nossa humanidade,

A que todos almejam com tanta ansiedade?


MEFISTÓFELES

Não és mais, meu senhor, do que és: um mortal!

Perucas podes ter, com louros aos milhões.

Alçar-te com teus pés nos mais altos tacões,

Serás sempre o que és: um pobre ser mortal!


(Johann Goethe)



Comentários

  1. Vivemos nas polaridades, como você diz, e não nos damos conta da possibilidade que desse movimento do "entre" pode e precisa surgir o terceiro, na transmutação, mescla ou alquimia surge o novo velho.
    A morte traz a vida

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    Respostas
    1. A renovação – no seu aspeto de transmutação esta inscrita em toda simbologia da morte para o material, renascer no espiritual – que em todas as mitologias é veiculada pelo “arquétipo do filho da divindade” em missão de “Cordeiro” . Aquele que, pelo sacrifício – sacro ofício – tira os pecados do mundo… Também está o filho de Deus – no seu aspeto mais guerreiro de protetor dos povos… mas essa é outra missão – outro serviço

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