TEMPOS DE “TECNOCRACIA” E “NOMENKLATURA” Por Artur Alonso
A “Nomenklatura” ou “casta dirigente” da União Soviética – palavra que deriva do latim “lista de nomes” – incluía os altos cargos burocráticos: funcionários de alto nível, cargos técnicos e dirigentes do Partido Comunista.
O historiador Michael Volesnky descreve esse processo de tendência ao controle, por parte de uma classe dominante, que toma todo o poder dentro dum organismo (em este caso o Estado) para si.
Leão Trosky, na “Revolução Traída” desenvolveu uma teoria inovadora sobre a génesse daquela burocracia estatal. Seguindo a mesma linha argumental de Trosky, o francês Ernest Mandel, no seu estudo “A burocracia” – nos falava sobre o problema da estruturação burocrática estatal (por cima das classes camponesas e trabalhadoras) e sua procura de privilégios materiais, junto a defensa dos mesmos.
Hannah Arendt, em seu texto tão controvertido reflexionava sobre a “Banalidade do mal”. Na sua obra “Eichmann em Jerusalém” presenta ao burocrata mais zeloso como incapaz de resistir as ordens que recebe (ato de mera supervivência dentro do aparato estatal). Devido entre outras questões, como no caso do Alemanha nazista, a uma eficaz maquinaria de propaganda e organização vertical, com capacidade de uniformizar e massificar a sociedade ao ponto de criar uma multidão incapaz de fazer julgamentos morais. Sendo esta a razão principal que explica porque o cumprimento e aceitação de ordens amorais sem questionar, se torna uma normalidade.
A Nomenklatura Soviética
Foi precisamente a Josef Stalin a quem se atribui o inicio e consolidação do poder da Nomenklatura, na União Soviética. No entanto estudos históricos mais pormenorizados, pesquisando nos arquivos daquele período, como os feitos por Grover Furr, no seu “Khrushchev mentiu” – monstra, ao invés, um poder da mesma Nomenklatura revelando-se contra os intentos do próprio Stalin de atacar a estrutura do seu poder.
Teorias de conspiração sobre a morte do ditador soviético, envolveriam o historiador Guennádi Kostirtchenko, que teria afirmado Khrushchev, teria informado uma jornalista francesa que a morte de Stalin fora motivada pela pressão da própria Nomenklatura.
Historiadores como Jonathan Brent e Vladimir Naumov acusaram Khrushchev e Beria de ter envenenado Stalin com warfarina… Quando em 2011 se fez publica a autopsia do ditador, o professor de neurocirurgia da Universidade de Mercer, acreditou certa a hipótese de Brent e Naumov – no entanto em 2019 patologistas da Universidade de Ohio rebateram esta argumentação.
No entanto, a partir da morte do ditador, seu sucessor Nikita Khrushchev, no somente renunciou a um domínio de amplo espectro sobre o mais de 40% do território mundial (em aliança com a China), senão que elevou os privilégios da Nomenklatura. Ao retirar o rublo do patrão ouro – e encadeá-lo ao dólar, Impediu, na pratica, criar um modelo económico, social e organizativo paralelo ao do poder ocidental.
Assim esta Nomenklatura em tempos de Gorvachev – já pretendia converter-se em oligarquia. As tentativas da Perestroika de reformar o sistema por dentro – e a pressão da Nomenklatura em favor de seus interesses, junto a diversos aspetos, já muito estudados – Os próprios protagonistas, achegados a Gorvachev, reafirmaram sua ideia de demolição controlada por dentro – que acabou mal… Deram na substituição daquele poder da Nomenklatura na URRS – pelo da Oligarquia na Federação Russa. Seguindo aquela premonição de Trosky, quem em seu dia tinha afirmado a burocracia soviética acabaria por instaurar de novo o sistema “capitalista” – Eles queriam ter capacidade de cumular riquezas, dum jeito maior, ao que permitiam limites dos “priviletgios” da era soviética…
Com o ascenso de Vladimir Putin – e no intuito – de minorar o poder excessivo do poder oligárquico – o novo Presidente Russo – voltou de algum modo a recuperar aquela burocrática Nomenklatura.
Com a pressão interior exercida pela “Guerra na Ucrânia” – no sentido de pouca margem para a dissidência – os ataques aos sectores oligárquicos mais pró Ocidentais – afirmaram mais o poder da nova Nomenklatura nacionalista. Com a aceitação da demissão e afastamento do poder de Anatoli Chubáis, a 23 marzo de 2022 e, a negativa de aceitação de demissão de Elvira Nabiulina, como Chefe do Banco Central Russo, o poder da Nomenklatura – definitivamente se instalou por cima do poder oligárquico
Esta nova Nomenklatura inclui também ex-oligarcas e novos oligarcas, que ligam seus interesses corporativos a Supremacia do Estado.
O caso Chinês
Ninguém como a Intelectualidade política chinesa tem estudado esse período da história soviético, na tentativa de não cometer os mesmos erros. Daí a abertura chinesa sempre se fez – com o controle político do partido comunista – não permitido a Nomenklatura tornar-se Oligarquia.
E, ao invés, com o tempo o crescente poder corporativo privado chinês, nascido nas três primeiras décadas de capitalismo selvagem na China, com baixos salários e precariedade laboral, sempre foi orientado, controlado e dirigido – pelo governo e o partido. Marcando o Poder da Nomenklatura comunista os sectores e distritos da aberta económica interna, assim como os planos de expansão externos. O qual fez consolidar ao Estado chinês como regulador efetivo da mudança, do progresso e da coesão social. Ao tempo que o mesmo Estado ia paliando as deficiências, nascidas dum inicial livre mercado voraz, e rê-encaminhando esse mercado para beneficio do Estado.
A Nomenklatura chinesa, continuou a afirmar-se após a eliminação do sector imobilista e, a consolidação agora do sector soberanista de Xi Jinping – O poder e capacidade da oligarquia chinesa em discordar do estado foi totalmente anulado, durante a crise de tentativa de criação duma banca privada que pudera concorrer com a poderosa rede de Banca Estatal – E também com a crise imobiliária, onde a nacionalização de empresas em falência foi a norma.
A compra de apartamentos, por parte de empresas estatais, para diminuir a oferta do mercado imobiliário, assim como a redução da taxa de juros em hipotecas, junto a criação dum fundo de 300 bilhões de yuans para ajudas a habitação, são algumas das medidas para encaminhar este mercado – em contração.
A contração do mercado imobiliário é precisa para o poder estatal da Nomenklatura chinesa manter suas contas publicas mais apertadas, devido aos elevados gastos derivados da pandemia e da expansão dos trabalhos em novas infira-estruturas, inversão em I+D+I; e agora a necessidade de modernização e reestruturação militar, em tempos de incerteza global – Demolição da falida globalização e novas fricções derivadas das políticas protecionistas – e da concorrência pelos novos espaços de afirmação geopolítica.
Esta Nomenklatura chinesa afirma a sua base naquela tradição da união dos clãs como fortaleça primordial da unidade nacional. Reservando como temos já falado o conhecimento mais elevado taoista para elite e, o conhecimento filosófico konfucionista, misturando com o marxismo, como forma de coesão e organização social.
No ano 2012 o jornal norte-americano The New York Times, ofereceu um relatório dos seus cálculos sobre a fortuna pessoal dos, naquele momento, dirigentes chineses – implicando ao naquele momento Primeiro Ministro Wen Jibao, e altos cargos, entre os que se encontrava o próprio Xi Jinping (chamado já a ser o sucessor de Wen Jibao).
Esta investigação deixava clara, além do contra-ataque norte-americano à suposta austeridade da direção comunista chinesa, a rede de conexão entre poder governamental e empresarial, que sem dúvida formava um novo tipo de Nomenklatura mais ampla e aberta. Uma Nomenklatura de amplo espectro – com redes em todos os sectores estratégicos e alianças em todo o mundo. Uma rede bem articulada, longa e profunda.
Este poder chinês – aliado a revolução tecnológica – com a supremacia no desenvolvimento da robótica – caminha para um novo futuro modelo tecnocrático, onde ser humano e Inteligência Artificial tem, pelo próprio desenvolvimento dinâmico da tecnologia, que conviver. Para o poder chinês a forma de controlar os desafios que dito “dilema de cruzamento de caminhos: humano – Cyber” traz – é aquela dum poder Estatal – que possa controlar o poder privado corporativo. Aqui é onde se inicia uma das polaridades da nova “dicotomia” mundial – a do neo-socialismo tecnocrático ou, como a Nomenklatura Estatal de Partido único – pode organizar, modelar e dirigir o processo do novo Paradigma Tecnológico, em todas suas vertentes e implicações sociais.
O Caso da Europa
O projeto de criação do atual poder europeu, parte da consolidação do poder anglo–veneziano- neerlandês, que vem crescendo no continente e ilhas britânicas, desde a “Revolução Gloriosa”, passando pela derrota de Napoleão em Waterloo, e com sua consolidação após a I e II Guerra Mundial – e definitiva viragem Globalista em poder Ocidental – comandado pelo poder económico e militar norte-americano, após o derrubo da União Soviética em 1991.
Os diversos processos de organismos internacionais, com cada vez mais peso do poder conjunto Ocidental norte-americano e europeu, foram modelando a nova realidade após a Guerra Fria. (A dia de hoje essas redes internacionais supra-estatais, tem sido também penetradas pela China, daí a necessidade hoje, do novo poder norte-americano, eliminar aquela rede Global, acima da qual também se foi formando tanto os EUA como a Europa).
Em aquele globalista panorama a União Europeia foi criada, segundo o modelo de controlo do Estado, por parte do Poder Corporativo Financeiro Privado.
Em 5 de maio 1949, ser cria a NATO – OTAN, para tal como afirmou seu primeiro secretario: “manter os russos fora, os norte-americanos dentro e os alemãs abaixo” De Gaulle, tentaria reverter esse controlo transatlântico anglo-americano da Europa, mas foi afastado do poder.
A partir daí o poder anglo-americano toma o controle da França e Alemanha, realizando a política europeia de acordo aos interesses britânicos e norte-americanos. Impedindo na realidade uma Europa com decisões soberanas.
O Tratado de Maastricht instituiu a União Europeia, em 1993. O Banco Central Europeu é criado em 1 de Julho de 1998. Em 1 de janeiro de 1999 é lançado o euro. O controlo dos poderes estatais, dos diversos países da União, por parte da emissão privada de moeda em forma de dívida, assim como das instituições supra-nacionais europeias (que regulam a base legislativa que afeta as legislações nacionais) – condicionadas pelo poder lobbista – começa a criar uma rede intrincada de poder entre sector público e privado, com capacidade de afetar o mesmo sentido da democracia.
O velho Estado Previdência, de pacto sindical – empresarial, com alternância política dentro dum marco Constitucional, vai aos poucos a ser subsistido (por meio da implementação da agenda neo-liberal de Reagan e Thatcher) por uma nova Nomenklatura ao serviço do poder corporativo privado, que se reflete, nos dias de hoje, na nova realidade chamada de “Partitocracia”
O Caso Norte-americano
Semelhante ao caso europeu, o norte-americano se viu influenciado, na sua historia, pelas disputas dos diversos poderes no continente europeu. E o ramo soberanista norte-americano perdeu, após a morte do Presidente Abraham Lincoln, em favor do ramo atlanticista. O poder financeiro privado tomou o controle do país, definitivamente, em 23 de decembro de 1913, com a criação da Reserva Federal – Banco privado com capacidade de emissão da moeda em forma de dívida.
Com a queda de Wall Street, em 2008, o poder globalista privado tomou limite – e passou a contrair-se. Já na atualidade, com um fardo impagável de dívida, graves problemas sociais e graves problemas em infira-estrutura; assim como recuperação do sector industrial perdido durante a deslocalizaçao de finais da déca de noventa do século passado… Parte da elite norte-americana decidiu um cambio de cenário, passando a encerrar definitivamente o velho processo globalizador.
O protecionismo ressurgiu – no Make American Great Again – MAGA – A demolição da arquitetura global herdada de Bretton Woods e a necessidade de combater o avanço cientifico tecnológico da China, Índia e Rússia; assim como o desloque hegemónico do centro material económico do Atlântico Norte a Euro-Asia, motivou um cambio de orientação total na política interna e externa, do ainda ate o de agora em aparência “hegemon” norte-americano
A rutura dos velhos laços com Europa se fez necessária. Europa já não é centro prioritário de interesse geopolítico, como na Guerra Fria. Controlar rotas de energia, terras raras e terras com minérios precisos para o desenvolvimento cientifico-tecnológico, assim como a re-orientação do sector bancário e das finanças se torna objetivo vital, junto ao controlo das rotas comerciais… Marca a viragem de jogo, ao tempo que se tenta conter a China.
Em esse processo de viragem uma nova Nomenklatura que une os sectores políticos mais supremacistas e agressivos, com o poder das Grandes Tecnológicas, Energéticas e Financeiras, dá como resultado um novo Poder Tecnocrático Norte-Americano – onde novas estrelas mediáticas como Elon Munsk (seguidor do filosofo Harari, como Javier Milei), junto a magnates mais a sombra e menos mediáticos, como o envidado especial para assuntos externos Steve Wikoft, começam a cimentar o novo caminho.
A nova Nomenklatura tecnocrática Trumpista norte-americana conta com as filosofias de Curtis Yarvin (referente do vice-presidente J.D. Vance), que emulando no sector da direita a visão futurista de Hariri (mais a esquerda – e mais alinhado com o movimento Woke) sonha com ultrapassar o, segundo ele, “falido experimento democrático”, minimizando o estado ao estilo “moto-serra” de Milei – Dando mais espaço ao Poder Corporativo Privado para regular a sociedade – ampliando o estilo de empresa fornecedora subsídios aos trabalhadores, como algumas corporações da Coreia do Sul – Iniciando um processo de cobertura do Sector Privado de atribuições antes próprias do Estado.
O empresário corporativo digital – o Tecno Feudalismo da nuvem – estudado pelo economista grego – Yanis Varoufakis – se tornaria em este novo cenário – a Classe Dominante – dirigente.
Inaugurando a chamada nova era da “Ilustração Obscura” termo criado pelo professor britânico Nick Land – seguindo com ele um grupo de intelectuais supremacistas, que associando a tradição mitológica nórdica, se tornariam nos novos "Dökkálfar" - do novo reino de "Svartálfheim" - "Eflos escuros" - contraparte dos "Ljósálfar" ou "elfos da luz". Na sua nova missão de novos guardiões e protetores da humanidade, em susbtituição dos velhos guardiões das velhas tradições.
Estas Nomenklaturas, como definiu Voslensky – dispõem para seu proveito exclusivo e em sua totalidade do poder. O que não retirara disputas internas.
E nas suas duas versões mais poderosas – a de poder estatal e a de poder privado, ambas lutam por levar a frente seus projetos – tecnocráticos. Ambas em luta nas diversas faixas de fricção e tentando acomodo, em aqueles locais onde os interesses podem confluir (como no caso da Ucrânia, entre a Rússia e a nova Administração Trump – que mesmo pode divergir por fatores externos – nomeadamente a tentativa de oposição britânica)
A Guerra das Nomenklaturas
Precisamente a guerra entre estas duas Nomenklatura a Corporativa Privada – do Neo-Fascismo e a do Poder Estatal do Neo-Socialismo, estão em embate em todas as áreas do globo – com especial atenção no crítico epicentro de comunicação e enlace entre três continentes (Europa, Ásia e África) que é o Oriente Médio.
Como este aspeto não forma parte deste artigo, deixaremos o analise desse confronto para outro texto.
Mas saber que desse acomodo geopolítico entre as Nomenklaturas neo-fascistas corporativos e neo-socialistas estatais – vai nascer a nova divisão do mundo – suas novas Instituições e os limites respetivos geográficos de cada poder, com seus espaços intermédios de conexão – que farão de inerte-locutores entre partes.
Este acomodo pode ser com guerras regionais ou global. Sendo o segundo cenario, em inicio a disputa será pelo espaço total e pelo modelo a implementar para acompanhar o desenvolvimento futuro do mundo, de cara a nova sociedade tecnocrática. Somente em caso de enfraquecimento mutuo – a divisão, por dialogo, será feita ao finalizar a guerra.
Ao estarmos na pior das faixas da mudança contínua – naquela das encruzilhadas – a tensão se torna máxima – e do poder do controlo mental (sobre as alteraçoes emocionais) de ambas lideranças em disputa, vai depender o futuro imediato a humanidade.
Os começos destes complicados desloques e mudanças, por causa da suas inerentes incertezas, provoca muito medo. O medo é o pior dos conselheiros. Daí em estas ocasiões e, ante a falta de maior tónica evolutiva da humanidade, o recurso as lideranças fortes e aos poderes autocráticos, dissolução do poder democrático, se torna a eleita mais factível.
Em estes tempos a dissidência é visionada como fator de desunião da comunidade, em confronto com outras comunidades. E, no tempo mais de guerra – essa dissidência pode ser visionada como traição. O medo as discrepâncias, poder trazer combate interno em período de guerra, traz consigo que o poder hegemónico visione as mesmas como intoleráveis. Em esse momento, se a dissidência não aceitar sua derrota e dissolução – chega o tempo das purgas.
No entanto uma vez ultrapassado este período de noite – volta a paz, e a recuperação de maiores espaços para dissidência. Espaços que se abrem pela necessidade de expandir o contraste de opiniões – em períodos de nova criatividade. Iniciativas mais plurais precisas para levantar as civilizações do declínio próprio dos confrontos.
BAGAVAT GITA, quando o mal se afirma EU surjo para restaurar o BEM. ABRAÇO
ResponderExcluirMagnífico livro - Voltar do Adharma ao Dharma... Abraço
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