Ultrapassando o Armagedon por Artur Alonso

 


 “Nesse tempo muitos serão escandalizados, e trair-se-ão uns aos outros, e uns aos outros se odiarão. E surgirão muitos falsos profetas, e enganarão a muitos. E, por se multiplicar a iniquidade, o amor de muitos esfriará. Mas aquele que perseverar até ao fim, esse será salvo” (Mateus 24:10-13)

Analisando seu livro “A Segundo Vinda” Franco Berardi “Bifo” reflete que nos anos setenta o slogan era “socialismo ou barbárie”. No entanto, assegura o autor, o socialismo que nasceu das lutas operárias e feministas não conseguiu consolidar-se e a barbárie triunfou. Hoje enfrentamos a mesma alternativa, só que mais radical: ou o comunismo ou a extinção, pensa Berardi, refletindo em alto.

Lembra-nos Franco daquela frase atribuída a John Keynes de: “o inevitável geralmente não acontece, porque o imprevisível prevalece”. Sendo que agora aparenta ser fácil ver o inevitável: a Terceira Guerra Mundial, que está a acontecer não como uma luta entre potências imperialistas, mas como uma guerra civil global alargada que coloca clãs, movimentos políticos e crenças religiosas uns contra os outros num contexto em que a democracia e a crítica opinião são deslocados pela cultura da identidade, raiva e depressão – afirma Berardi.

Nesta linha, o autor da “Segunda Vinda” fala da ascensão de Donald Trump ou do movimento da direita alternativa sendo compreensível, dentro duma reação supremacista alimentada pelo medo. Dado os trabalhadores brancos, empobrecidos em décadas de hegemonia liberal de centro-esquerda, estar-se a rebelar contra a democracia e o globalismo neo-liberal e, mesmo o multiculturalismo e velho conservadorismo, acrescentamos nós, que eles já identificaram como o inimigo.

Para “Bifo” enquanto o conflito colocar os globalistas neoliberais contra os nacionalistas anti-globalização, este continuará a escalar com consequências devastadoras. Sendo que somente a emergência da solidariedade consciente entre os trabalhadores, para além dos limites das nações, pode dissipar a catástrofe final.

Este resumo dá uma ideia da visão que Berardi tenta transmitir-nos em seu livro. Sendo que somente o imprevisto pode parar esta dinâmica, segundo o modo de ver do próprio Franco Berardi.

Nós achamos o imprevisto está a acontecer na Ucrânia e na Palestina, o que vai trazer uma amortecedor “socialista – estaticista” aliado com o soberanismo nacionalista, que retire, pelo necessário pragmatismo estatal, desse nacionalismo o inevitável ideário do catastrofismo.

Está de volta de algum modo o conservadorismo nacionalista socialista de Stalin, na Rússia, combinado com as praticas de livre mercado, controlado desde o estado, dos chineses e influenciado pelo espiritualismo da queda material e do renascimento civilizacional espiritual, da tradição primordial de René Guerón – Ideia fulcral de todas as tradições espirituais do mundo.


O Confronto muda

Permanecem como perigos, para Berardi, as falsas leituras apocalípticas do “Armagedón” preciso para a segundo vinda do Cristo ou a primeira do Messias (segundo leituras segadas, dum certo mesianismo desfocado, tanto da tradição cristã e judaica).

Mas, pensamos nós, que a guerra da Ucrânia volteou definitivamente o mesianismo russo ate uma aliança com a visão da vinda do Mahdi xiita, e a visão tradicionalista da mudança dos ciclos dentro esquema natural da rede da vida, dos taoistas chineses e, incluíndo, aqui também, a o ideário da vinda do budha Maitreia dos pensadores da república da federação russa de Kalmykia. Estas visões excluem um “Armagedon” necessário para aquela precisa chegada.

É mais a aliança russo-iraniana-chinesa caminha na contra da ideia do Apocalipse nuclear. E a tentativa chinesa de unir, devagar, com abertura inicial de diálogo, os interesses sunitas e xiitas da Arábia Saudita e do Irão, começou a abrir o Oriente Meio como um dos locais preferenciais para confrontar o “inimigo da civilização” e vencê-lo por meio de revogar, na zona, todas as velhas alianças.

Esse inimigo começou a ser visionado pelos iranianos e mesmo os povos islâmicos da federação russa (como os tchetchenos de Kadirov) como “satanista” e pelos russos europeus como o “anti-cristo” de Vladimir Soloviev. Sendo o mesmo sinalizado como o poder dos globalistas ocidentais, do qual os sionistas formam parte integral, e os puritanos evangelistas da bíblia de Scotfield aderiam por convicção.

Esta ideia do “inimigo malvado” ser o ocidente materialista, está cada vez a tomar mais forma na Eurásia e na África, contagiando a América do Sul.

Parar uma guerra direta global que poda tornar-se nuclear é, pois, para a nova aliança emergente uma “missão sagrada”, pois eles identificam esta guerra como um “desejo” do demónio ocidental. A fórmula para conquistar o sucesso, neste empreendimento, aparenta pelos últimos acontecimentos em pleno desenvolvimento, passar por um desgaste em múltiplos frentes daquele poder do globalismo financeiro internacional. No económico, no militar, no cultural, no político e social.

Assim muda o confronto entre poder globalista e soberanista, para confronto entre globalismo em mutuação política a neo-fascismo político corporativo e soberanismo assumindo a política de neo-socialismo com economia de mercado. Ambos na procura dum poder autocrático, que começa deixar pouca margem, em tempos de incerteza e confronto, a uma verdadeira democracia. Dado, ambos atores globais, camuflar este totalitarismo baixo formas nominais de seudo-democracia.

Uma das fórmulas usuais para realizar a transição dum modelo democrático, falto já de credibilidade, para um modelo mais autocrático, com aparência de suposta democracia, é o uso massivo dos meios de comunicação afins, para doutrinar às populações, por meio de informação manipulada. Tornando os meios de informação em meios de manipulação


A lógica que impulsa à evolução adverte da conservação

Numa recente entrevista (no jornal digital “El Salto”) Franco Berardi afirma: "Lembro-me que num livro de 1947 chamado Dialética do Iluminismo, Theodor Adorno e Max Horkheimer dizem que a razão esclarecida tem de estar consciente da escuridão que tem dentro de si. Caso contrário, as trevas serão exploradas pelos inimigos da razão. Hoje estamos nesse ponto. O motivo se tornou o algoritmo. Na lógica inexorável e inevitável de um domínio matemático sobre a vida dos seres humanos. E a razão política tem sido incapaz de problematizar este perigo e superá-lo"

Existe então uma evidencia da razão ter chegado a seu limite e torna-se instrumento de controlo, por aqueles que detetam os centros de criar pensamento.

Por outro lado o modelo cartesiano da razão dá impressão ter já entrado dissolução total no final do século passado, daí que nós vaiamos um pouquinho mais alem do razoamento de Berardi e afirmar que no mundo atual do algoritmo, a programação cibernética, a Inteligência artificial, o trabalho humano a ser substituído pela máquina… precisamos entender que a mesma informação que chega a nós em pacotes, sobrecarregando nossa mente, somente pode ser abarcada, selecionada e priorizada se o ser humano, começa, por necessidade a utilizar seu mental abstrato.

Procurando um caminho onde a razão da evidencia entre em contacto com a intuição, que conecta com o mais transcendente: o silêncio entre as pausas.

Estamos num tempo de profunda mudança, mas esta não poderá ser feita sem conservar o avance ate aqui dado em todas as áreas do desenvolvimento humano.

O globalismo desfaz a tradição (que sustentava os povos do mundo) – por isso a reação a contra. Esse mesmo poder financeiro planeia uma permanente mudança, sem raiz, que destrói a necessária conservação, inerente a própria mudança. Ao acelerar os ritmos da avassaladora inercia progressiva da mudança, mata os tempos intermédios para a conservação.

Este acelerador compulsivo das etapas cíclicas é, sem dúvida, o cerne da reação dos polos contra-hegemónicos Euro-asiáticos contra Ocidente. Reação, quase instintiva, de se insurgir contra o impulso, do que para eles é modelo “entrópico” ocidental anti-humano.

A visão filosófica transhumanista de Yuval Harari incrementa essa instinto de necessário confronto e preparação para a batalha, que está a tomar forma por todo o “Sul Global” nomeadamente Eurásia e África, com certos centros de debate e programação mental para a insurgência na América do Sul.


A raiz do Globalismo que nega a raiz

Paul Watzlawick, em seu texto "Guia Inconformista para o Uso da América" afirmava: “Os relacionamentos com o pai são todos diferentes. No início de seu tratado “O Povo Americano”, que se tornou um clássico, o antropólogo britânico Geoffrey Gorer analisa o fenômeno tipicamente americano da rejeição do pai e o atribui à uma necessidade, imposta a praticamente todos os trinta milhões de europeus que emigraram para os Estados Unidos, entre 1860 e 1930. Uma necessidade de se adaptar o mais rápido possível à situação económica americana. Mas em seus esforços para transformar seus filhos (geralmente nascidos nos Estados Unidos) em americanos “de verdade”, o pai se tornou um objeto de rejeição e escárnio para eles. Suas tradições, seu conhecimento inadequado do idioma e, acima de tudo, seus valores eram uma fonte de constrangimento social para a geração mais jovem, que, por sua vez, tornou-se vítima da desaprovação de seus filhos”

Observamos aqui como a jovem “Norte-américa” rejeitou a sabedoria amorosa da tradição profunda da mãe Europa e, a semente raiz do Pai ancestral europeu, precisamente para forçar uma integração sobre uma “suposta” raiz norte-americana que somente podia basear-se na lei estatal e no ideário de liberdade dos puritanos do “May flower”, mas que não tinha assento real no território; ao a raiz tradicional norte-americana ter sido eliminada com o extermínio de seus povos indígenas.

Mas tarde com o poder crescente do corporativismo privado e o controlo do estado por meio desse poder financeiro privado, as elites norte-americanas começaram a interpretar essa liberdade como o direito natural do Poder Privado (dos mais fortes, seleção darwiniana) para impor “normas” cambiantes, segundo seus cambiantes interesses, ao resto da povoação norte-americana e das populações mundiais.

Encarando aqui a diplomacia norte-americana as relações internacionais, com outros povos, como relações com motivações económicas, geopolíticas e culturais, entre eles os senhores do “excecionalidade” – e aqueles, outros, obrigados a servi-los. Um serviço necessário pelo bem do destino comum da humanidade. Destino pré-destinado, de esta elite, ter direito (“excecionalidade”) a dirigir os destinos de todo o mundo.

Convertendo-se na pratica a americanização identificada com a modernidade, como a exportação dum modelo de dominação duma elite privada corporativa sobre o resto da sociedade.


O abandono do materialismo

Enfatizando a mercantilização cultural, social e dos valores, Ocidente impõe (a partir da queda da URSS) ao resto do mundo seu modelo onde o “os mercados das finanças” marcam os ritmos da vida social, cultural e da psicologia individual e coletiva, tanto dos indivíduos como da coletividade.

O foco da vida se centra na “aparência” diluindo a transcendência. O importante e ter e não ser, tal como bem indicou no seu formidável analise da crise do modelo civilizacional ocidental, no livro do mesmo título “Ter ou Ser” Erich Fromm, seu autor.

O comunismo soviético, com o trunfo do Stalinismo, matou aquele ideal “internacionalista” troskista e Leninista, baseado num universalismo operário, que identifica a tradição como mecanismo de controlo do povo ao serviço duma elite burguesa (onde estado e igreja trabalham em favor de consolidar uma sociedade estratificada em classes).

Stalin volta a tradição, destituída da estratificação de classes, como essência sobre a que se apoia uma sociedade hipotética proletária soviética, onde o conservadorismo do “socialismo em só estado” confronta o progressismo da “revolução permanente” de Trosky – Mantendo o recurso da tradição como um valioso utensílio de controlo em favor duma elite burocrática estatal no poder.

O progressista Nikita Kruschev desmonta o Stalinismo, retira a paridade rubro – ouro, submete a cotação do rubro ao dólar, tenta influenciar o mundo através duma revolução cultural, sem os meios precisos para vencer, e com este giro, inicia (sem saber) o desmonte gradual da conservadora União Soviética. Facto que culminaria o quebra total, com impossibilidade de realizar as reformas da “Perestroika” de Gorbatchov


O novo modelo

Retirada a União Soviética do confronto, o poder materialista norte-americano sem a contra-balança do poder materialista soviético, navega na “ideia” dum progresso material sem limites, e duma “era norte-americana” de globalização, em base num único modelo real neo-liberal para comandar o mundo.

O poder confessional xiita iraniano vai ser o primeiro a confrontá-lo no Oriente Meio. Esta região sempre foi vital na encruzilhada entre três continentes. Eixo das rotas de mercadorias, transito e extração de energia e ponto vital de união e transição entre os territórios de controlo “ilha mundo” da teoria do “heart land” de Mackinder e os territórios de contenção daquela mesma “ilha mundo” da teoria do “rimlad” de Spyman

O confronto entre os valores materialistas ocidentais e os valores tradicionalistas orientais começa. Com o desgaste das aventuras de invasão norte-americana no Iraque e no Afeganistão e a derruba vital sistémica no colapso económico das “dividas perpetuas” das finanças globais, entre 2007-2008, na city de Londres e em Wall Streat, o Ocidente vai, devagar, perdendo o fôlego expansionista. Começa a retração.

A China de Deng Xiaoping, do “gato que caça ratos”, inicia seu modelo híbrido de socialismo de mercado. Seu momento expansionista das “rotas da seda” e do “cinturão e a rota” vai condicionado pelas teorias taoistas de “se flui certo, se roça errado” ou do “ganhar-ganhar”e da diplomacia do dialogo prévio, que estabeleça a confiança.

A China de Mao, a pesar de seus muitos erros, sempre manteve a tradição como base de unidade da nação, junto a inquestionável diretriz do partido, como corrente única de ligação entre o povo e o governo.

A Rússia que teve que levantar-se, uma outra vez, na sua recente história, duma queda nos abismos, procurou na velha tradição ortodoxa uma auxílio para erguer um ordem após o caos da derrubada.

Mais tarde o poder estatal russo entendeu com a guerra da Ucrânia que o Estado era vital para confrontar o poder oligárquico privado (que sempre trabalha em favor de si próprio). E começa a refletir, nessa deriva mais autoritária, na volta a unidade de partido, que tao bons resultados lhe deu a União Soviética no passado. Esta visão assusta a dissidência por aquilo das velhas purgas. A dissidência com a guerra de Ucrânia, começa a ser olhada como “traidores à pátria”.

Este avanço na procura dum novo ente, continuou na Rússia, com a tentativa de uma nova unidade, pela via mais pragmática de reconhecimento da Federação ser multinacional e, continuando esta rota, teve de começar a favorecer um dialogo inter-religioso, onde todas as comunidades estiverem representadas. Isolando todo tipo de extremismo religioso e separatismo, que pudera favorecer interesses exteriores e internos dos inimigos do seu projeto.

Recuperou finalmente a teoria eurasianista, da sonhadora geração de prata, e ao estudar o modelo de desenvolvimento chinês, olhou de novo para seu passado socialista abandonado e, de algum modo está sendo revivido para integrá-lo com o mercado, como uma alternativa viável para consolidar um polo firme na sua luta contra o neo-liberalismo.

Deste modo o novo mundo multipolar, se começa a formar com estes aglomerados. Daí que em tempos, como os atuais, de confronto sistémico um certo autoritarismo tomar a crescer desde as sombras.

Ocidente não pode ceder ao controle estatal, pelo que para ele um neo-fascimo corporativo privado que confronte com vigor o neo-socialismo oriental estatal, pode ser uma opção…

Por enquanto, os centros de fricção, podem encontrar-se nas suas dinâmicas contrapostas, com o surgimento de novos fatores imprevisíveis que determinem como se moldara o poder no oriente e no ocidente (respetivamente) e, qual, finalmente será, o alcance dos seus respetivos centros…




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