DERRUBE DA SÍRIA: FIM DO LAICISMO ORIENTAL - por Artur Alonso
A queda (quase instantânea) do governo de Al-Assad na Síria, sem seu exercito opor resistência, tem levantado um turbilhão de analises sobre as implicações políticas, diretas na região, e na geopolítica global. E a incógnita da cúpula castrense síria ter recebido grande subornos- ficar exaustos de tantos anos de guerra – ser cientes do seu exército estar em uma situação de descomposição interna… Ou ambos fatores a vez – ainda segue, sem resolução, no ar -e no entanto não é de tanta importância – ou si?
Se verifica, em este aspeto, que o Irão encerrado no seu problema com Israel; Hezbollah debilitado pela guerra com o exército israelense e a Rússia centrada na sua campanha na Ucrânia e os problemas que, no curto prazo, lhe puder ocasionar a Roménia – Moldávia (com Transmitia) e a Geórgia, no Cáucaso... Deixaram “impossibilitados” aos “amigos de Al-Assad” para resgatar o regime sírio, como no 2015
Ouvimos falar muito da necessidade turca de demonstrar força, após sua posição como poder militar regional ficar muito tocada pela demonstração do poder misilistico do Irão e da “resiliência do Hezbollah” no Líbano. Assim como da sua pouca falta de determinação no confronto entre os palestinos de Hamas e as IDF israelenses. Erdogan nunca passou da retórica…
Podemos, nós, afirmar da existência também dum desviar de foco – do governo Netanyahu – após não ter conseguido nenhum objetivo, nem no Líbano nem em Gaza. Daí observarmos agora, em Síria, uma aliança tática “contra-natura?” entre Ancara e Tela-Avive.
Falamos também do interesse económico dos corredores energéticos – que passam precisamente pelo corredor Sírio. O de Catar com destino a Europa, passando por Turquia – precisava o derrubo de Al-Assad.
A Turquia precisava agir, em este sentido, ao mesmo tempo que mostrar certo apoio político, não militar, ao Hamas em Gaza (não somente por este formar parte da Irmandade Muçulmana – como o grupo de poder de Erdogan) senão por que o controlo de Gaza por Tela-Avive – permite a construção do gasoduto – Leviatan -na costa de Gaza: conexão alternativa Europa – via Grécia (favorecendo um inimigo de longa data de Ancara)
O projeto neo-otomano de Erdogan (liderança do mundo turcomano) se vê favorecido com a queda do regime alauita em Damasco.
Os Grandes Derrotados
A queda de Al-Assad é um “desastre geopolítico” para Rússia-China-Irão.
Rutura do “Eixo da resistência” aberto entre Líbano – a própria Síria – Iraque e – Irão. Hezbollah fica isolado, a resistência iraquiana contra as “bases norte-americanas” em alerta de possível extensão da tempestade síria a seu país. Irão enfraquecido.
No entanto desde a derrota de Mahmud Ahmadinejad, e sua saída do governo iraniano, em agosto de 2013 – os partidários do confronto com Ocidente (do sector chamado “anti-imperialista”) ficaram numa posição muito enfraquecida em Teerão, enquanto o sector a favor da colaboração com Ocidente teria afirmado seu controlo, a partir do trunfo do ex-presidente Ebrahim Raisi (morto em acidente de helicóptero em 19 de maio de 2024).
Este sector a favor das negociações com ocidente e o cancelamento duma política mais agressiva com Washington e mesmo Tela-Avive, teria, como monstra de boa vontade negociadora enfraquecido seu apoio aos grupos “proxi” pró iranianos – anti-norte-americanos e anti-israelenses
O assassinato seletivo do general Qasem Soleimani, ordenado pelo então presidente dos EUA Donald Trump, em 3 de janeiro de 2020, no aeroporto de Bagdade, foi um golpe efetivo do qual o chamado “eixo da resistência” não se teria nunca, de todo restabelecido.
Finalmente os assassinatos seletivos de Israel contra membros a favor da colaboração com grupos armados pró iranianos, do Hamas (deixando vivos aqueles mais perto do Catar), assim como os bombardeios dentro da Síria das bases das milícias iranianas, teria favorecido a situação atual de queda sistémica – devido a uma mínima pressão militar – acontecida com o regime de Damasco.
China é outra perdedora – a queda da Síria – não favorece em nada o desenvolvimento das novas rotas das Seda. O pouco interesse económico da China por ajudar a levantar da sua pobreza ao povo sírio – a falta de inversão chinesa em infira-estrutura (após mais dum decénio de guerra) agora se volta em contra de Beijing
Finalmente a Rússia, não somente perde uma aliado vital na zona. Veremos como fica sua situação nas bases que ainda controla em Lakatia e Tartus – sendo que a de Lakatia, praticamente, já tem sido desmantelada pelo exercito russo – e realojado seu material em Tartus. A perda de Tartus, pode significar o fim do poder dissuasório militar aéreo-naval russo no mediterrâneo.
Mas o grande perigo para a Rússia, é a real implementação, de novo, do plano de 2015 da Rand Corporation. Plano baseado na necessidade de pressionar a Rússia na Ucraniana e nas fronteiras do Cáucaso e no corredor da Eurásia (criando suficientes centros de atrito, para finalmente derrubar o poder atual no Kremlin). Este plano de divisão e repartição, entre os grandes poderes corporativos ocidentais, das riquezas russas, tinha em Síria um dos seus epicentros.
Possivelmente os funcionarios russos tenham esquecido a reflexao de Catarina a “Grande”, quando afirimou: “defender Damasco é defender as portas de Moscovo”...
Não podemos esquecer que muitos dos yihadista que estes dias entraram em Damasco – são Kazares, tayicos, uzbecos… e mesmo chechenos e Igurues – pelo que se pode espalhar a onda yihadista ate as fronteiras da Rússia e China – ou mesmo dentro dos seus territórios. Pelo qual a alerta já foi acendida tanto em Moscovo como em Beijing.
Somente de reposicionar Rússia – Irão ou China, sobre seus territórios, mais próximos, contraindo sua expansão geopolítica – seria uma grande logro para o Ocidente.
Os grandes ganhadores
O poder ocidental em teoria resulta ser o grande ganhador. Somente precisamos ver as declarações dos lideres ocidentais, desde o ainda presidente dos EUA, Joe Biden, passando pelo presidente francês Emanuel Macron ou o chanceler alemão Olaf Scholz. Todos de Canada ate a Polónia celebram o derrubo do regime sírio e auguram uma nova época com desafios, mas também oportunidades para uma maior e melhor instauração da democracia no Oriente Meio – ou – Oriente Próximo (segundo a nova visão dos BRICS).
A alternativa económica e financeira BRICS resulta outra das grandes perdedores. O poder dólar se reforça – e os laços de Washington se afiançam na zona – momentaneamente – veremos se em detrimento ou alternando com os laços BRICS
O presidente Biden, mesmo reconhecendo que o líder da revolta síria, Abu Mohammed Al-Juani, era catalogado pela sua administração como terrorista (e mesmo pesava sobre ele uma ordem de captura e uma recompensa de 10 milhões de dólares), enfatizou no seu comunicado que agora estava a fazer “as coisas de maneira certa” e, de seguir, por este caminho mesmo, os EUA, poderiam apoiar um futuro governo comandado pela sua milícia Hayat Tahrir al-Sham
Mas está euforia momentânea do Ocidente esconde alguns interrogantes, que podem virar a inicial onda a favor dos interesses geopolíticos do poder ocidental no Oriente.
Sabemos que a recente reunião Rússia – Turquia – Irão, em Doha, a sábado 7 de decembro, tinha acordado o reparto do país em zonas de influência (entre as que figuraria uma área de controlo alauita em Lakatia, apoiada pelo poder aero-naval russo)… Acordo, que a entrada repentina de Hayat Tahir al-Sham, em Damasco, teria desfeito (ou não?).
Não sabemos muito bem que ocorreu com o o exército e a Inteligência síria, como foi o pacto com os yihadistas, e se as inteligências iranianas e russas não estavam ao tanto destas negociações.
Ficam muitas incógnitas e muitas fendas abertas, no terreno, para resolver. Por exemplo que vai ser dos Curdos, apoiados pelos EUA e inimigos de Ancara? Como se vão delimitar as áreas de poder dos distintos grupos, agora pelo interesse unidos?
Outro vencedor teórico seria Israel, que já ocupou parte do sul do país, posicionando seu exercito para fazer um tampão entre sua fronteira e a linha fronteiriça da Síria, mas alem do território ocupado nos Altos do Golã… Mas essa ocupação responde a uma prevenção de milícias, fora de controlo num cenário incerto, poder-se virar contra Tela-Avive, ou não, faz parte doutro plano mais oculto?
O confronto oculto
O que pouco se fala é que a queda do regime de Bashar Al-Assad supõe o fim da tentativa dos estados árabes laicos iniciada por Gamal Abdel Nasser em 1954. Esta tentativa, em seu dia, apoiada pela União Soviética, sofreu um grande revés nas guerras contra Israel. E, finalmente, com o novo acomodo político trás a queda da URSS – a chegada das primaveras árabes (após o discurso do ex-presidente norte-americano Obama, na universidade do Cairo, em junho de 2009) – e a implementação da agenda neo-conservadora, destapada pelo general Wesley Klar… definhou toda ilusão do laicismo como realidade, ter presença, no mundo árabe e muçulmano.
Com a queda do líder líbio Muammar al-Gaddafi, na cidade de Sirte, a 20 de outubro 2011 – data que acelerou o confronto na Síria, que já se tinha iniciado, dentro da onda de primaveras árabes, em janeiro de 2011 – o poder laico árabe ficou restringido aos domínios da família Al-Assad, em Damasco. Com essa retirada do laicismo, da agenda do Oriente, o confronto oculto religioso tomou, todavia, mais vigor, dando forma a novos princípios de organização social na região e, talvez, em muitas outras partes do mundo.
Este confronto está a moldar a visão geopolítica do globo incluindo na agenda – a esquecida teoria do “Choque de Civilizações” de Huntington, agora no seu novo formato “escatológico”
Por um lado temos o projeto da construção do “Grande Israel” da terra prometida do Eufrates ao Nilo – segundo Génesis 15,18. A procura da chegada do Rei- Mashiah, que restaurará o reinado de David, reconstruirá o Templo e reunirá aos dispersos judeus – passou a ser uma missão sagrada para Netanyahu, desde que alguns rabinos lhe tenham prognosticado esse destino.
O problema que para levantar o III Templo de Salomão, em Jerusalem, é preciso derrubar a mesquita de Al-Qasa, terceiro lugar sagrado para o Islão. Hamas lançou seu ataque de 7 de outubro de 2023 – como resposta, precisamente, a esta tentativa. A operação de Hamas foi precisamente denominada “inundação de Al-Qasa” – A, sua vez essa ação terrorista visava interromper os Acordos de Abraão, impulsados, no seu dia, por Donald Trump
“Esperamos que o povo [dos Emirados Árabes Unidos e Bahrein] reprima [seus líderes] e os faça reconsiderar o que assinaram. Não destruam a si mesmos e ao futuro de toda a nação árabe”… Estamos defendendo Meca, Bagdade, Cairo, Amã e Damasco. Este é o nosso destino como palestinos. Nós somos os Murabitun em Jerusalém que a defendemos dos desígnios territoriais sionistas do Eufrates ao Nilo. Continuaremos a servir de ponta de lança no confronto contra a administração americana e o movimento sionista” falava numa entrevista, precisamente a Televisão do Catar, Al-Araby, - o palestino al-Ahmad, membro do Comitê Central do Fatah.
Observamos, que al-Ahmad, utilizou de propósito o termo “murabitum” – ou “defensor da fé” – termo, a sua vez, utilizado por vários grupos yihadistas
Por sua parte o intelectual russo, ortodoxo cristão, Vladimir Basenkov afirma que a guerra na Ucraniana é para a Rússia uma guerra espiritual – pela defensa da alma dos povos da Federação russa. Condizendo em sua afirmação com os postulados escatológicos de Alexander Dugin.
Para Basenkov, a Rússia está a defender, também, o mundo da chegada do anti-Cristo, que ele identifica com a tentativa do poder, que hoje ocupa, o governo de Israel, de levantar o III Templo. Dado, que para Basenkov, o Messias pelo que clama o poder sionista é um “Messias da guerra” – em contra do Cristo da Paz – que com sua segunda chegada salvará ao mundo.
Sendo que para Basenkov, Netanyahu e os sionistas segregacionistas são representantes das ideias do judeu ucraniano Jabotinsky (do qual o pai de Netanyahu foi secretario) – Representando, segundo ele, este grupo – a “Sinagoga de Satanás” – referida no Apocalipse de São João (nas cartas às igrejas cristãs primitivas de Esmirna e Filadélfia).
Apti Alaudinov, comandante das forças especiais tchetchenas de Akhmat, afirma que os muçulmanos do mundo deveriam lutar com a Rússia, para travar a tentativa do sionismo internacional – e de seus aliados ocidentais – de trazer a face da Terra – o anti-Cristo. Defendendo que a chegada do Mádi, ao mundo, será o prenuncio da volta do profeta “Issa” – o Cristo, tal como afirmam todas as tradições islâmicas, tanto sunitas como xiitas.
O embate escatológico
O exército ortodoxo russo, fundando em 2014, está imbuído desse espírito escatológico. Os padres itinerantes, muito demandados no frente de batalha, na Ucraniana, levam essa missão de consolo e auxilio espiritual, aos soldados russos – que, a cada dia, são mais vistos na Federação como defensores das diversas comnidades confessionais, da unidade e da sobrevivência do Estado. O mito do herói espiritual – se espalha pelas diversas regiões da Rússia.
A espinha dorsal do poder militar iraniano – o “Corpo de Guardas da Revolução Islâmica” bebe dessa fonte, considerando aos caídos no combate pela fé, de mártires. Essa ideia do martírio também está a preencher os corações dos grupos mais combativos da Rússia. Sendo a mesma ideia que dá maior prestigio, a qualquer família, da Palestina.
Por sua parte, Steve Banon, ex-assessor de Donald Trump, tem reunido setores da direita internacional cristã (tanto protestantes como católicos) para lutar contra o ateísmo comunista e a deformadora agenda “woke internacional” – referenciada para estes grupos como socialista.
Grupos pentecostais (apoiadores de Israel), os chamados “evangelistas sionistas” – focam sua atenção, também, na 2ª Vinda de Cristo, acreditando que o governo atual israelense trabalha pela sua chegada, enquanto luta em favor da vinda do seu Messias – pois, quando ele chegar, os judeus reconheceram, em ele, a Jesus Cristo… Netanyahu, que mantém uma aliança firme com esses grupos, solucionou a questão messiânica (que na teoria devia dividi-los) ao afirmar que quando chegar o Messias, já ele se mostrará como o Cristo ou o Messias judaico – Sendo que em esse momento a polémica (se o verdadeiro Messias é o judeu o cristão) ficará encerrada…
Todos estes grupos pentecostais estão a tomar muita força em todo o continente americano. E isso faz que essas massas (de seguidores evangelistas) apoiem diretamente a política neo-conservadora norte-americana, desenhada em seu dia, pelo simpatizante sionista Eliot Abrans - Esses neo-conservadores terão também muita presença no futuro governo Trump
Por reação, muitos grupos laicos – contrários a esta visão neo-conservadora – sobre todo na América do Sul – estão a tomar partido pelos palestinos e o iraniano eixo da resistência, contra Israel. Também o confronto torna estes grupos laicos – mais favoráveis a um poder estaticista de tipo social ou socialista, contra a agenda neo-liberal do poder corporativo, que defendem os grupos pró Israel.
Muitos dos intelectuais laicos – ao posicionar-se a favor do Estado Palestino e do Irão – começam na geopolítica a defender a Rússia na guerra da Ucrânia – entrando em confronto com grupos de esquerda woke, anarquistas e troskistas – que em estes dias defendem a queda da al-Assad e apoiam a criação dum Estado Curdo (mesmo que possam dar apoio também a criação do Estado Palestino)
Estes grupos políticos e intelectuais do ocidente, que estão a tecer redes de ação conjunta com o Irão e a Rússia, recebem também certo contagio da agenda escatológica – o que favorece a agenda que minora, ainda que seja de forma tática, o espaço do laicismo a nível global
A onda de insurgência que percorre oriente (alimentada pelos interesses geopolíticos de certas potencias estrangeiraras) toma esse revezo em favor do fator unificador religioso. Assim o explica Danilo Vieira, no seu estudo intitulado “Açao ocidental no Oriente Médio e a formação do jihadismo sunita”: “Define-se como Insurgência o movimento de oposição ao status quo político de um Estado. As insurgências podem ser políticas ou religiosas. Sendo políticas, apresentam características anarquistas, primando por ruptura, ou preservacionistas, com índole conservadora/tradicionalista. As insurgências religiosas sempre são de cunho purista, ou seja, se acham defensoras e legatárias das fontes da fé, da pureza original, agindo pela restauração dos fundamentos (fundamentalismo) ou lutam pela chegada do julgamento final, pelo fim dos tempos, acreditando assumir o papel de acelerador deste processo (apocalípticos /GONÇALVES, 2017)”
O fim do laicismo na Síria, em parte se explica por este fenómeno.
Na Síria, também se visiona nitidamente a fragilidade do mundo muçulmano (sua forma de organizar as diversas comunidades), e as dificuldades internas e externas da sua sonhada “UMMHA” ou unidade dos crentes – Assim como a facilidade de potencias externas dividir e confrontar os supostos “irmãos na fé”-Este tipo de cisões conleva, em certa medida, uma separação – uma diferente visão – dentro da mesma corrente confessional…
"Eis que eu farei aos da sinagoga de Satanás, aos que dizem ser Judeus e não o são, mas mentem; eis que eu farei com que venham e adorem diante de teus pés e saibam que te amo" (Apocalipse 3:9)
"Os
fiéis, os judeus, os cristãos, e os sabeus, enfim todos os que
creem em Deus, no Dia do Juízo Final, e praticam o bem, receberão a
sua recompensa do seu Senhor e não serão presas do temor, nem se
atribularão" (Alcorão - S.
2:62)
"A mente antecede todos os estados mentais. A mente é o seu criador, pois são todos forjados pela mente. Se uma pessoa fala ou age com uma mente impura, o sofrimento segue-a como a roda que segue o pé do boi (...) . A mente antecede todos os estados mentais. A mente é o seu criador, pois são todos forjados pela mente. Se uma pessoa fala ou age com uma mente pura, a felicidade segue-a como uma sombra que jamais a abandona" (Dhammapada - Ou - O caminho da sabedoria do Budha)
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