VOLTAR À ERA DE OURO – PELA TRANSFORMAÇÃO DE PSYCHE Por Artur Alonso
Em todas as teogonias, segundo o polígrafo espanhol Mario Roso de Luna, no seu fascinante livro “O Simbolismo das Religiões” – existe a ideia da chegada a face da Terra de “Seres Intermediários” que ajudam em nossa formação, por eles já ter atingido um estatuto mais elevado.
Estamos a falar da “mitológica Era de Ouro” onde a Divindade convivia com os homens. Aquele mito que no século VIII a.C, que Hesiodo imortalizou na sua teogonia – Fazendo um caminho cíclico para o percurso da humanidade, como: raça de ouro, raça de bronze, raça dos heróis e raça de ferro. Em certo modo condicente com a visão indiana das quatro “yugas” ou eras: Satya-Yuga – Tetra-Yuga – Dwapara-Yuga– Kali-Yuga. Ainda que provavelmente não condicentes nos tempos.
Sendo que na mitologia indiana, estas eras menores, estariam incluídas, dentro de eras maiores. Correlacionando-se da seguinte forma: Cada Manvantara ou período de manifestação do espírito na matéria é dividido em Divya-Yugas, por sua vez divididas em 4 Yugas (Eras), separadas por períodos chamados de Sandhis, que são períodos de descanso dos Manus ou conductores do processo - e que correspondem a um 10% de cada período - nas diversas eras.
Para o revolucionário francês Jean-Jacques Rousseau, no seu estudo sobre o bom selvagem naquele seu famoso "Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens"- a procura do "primeiro embrião da espécie” - nos levaria aquela mítica "Idade de Ouro", na qual, como dissemos, segundo Hesíodo homens e deuses conviviam juntos neste azul planeta.
O poeta latino Ovídio, na sua "Metamorfose" nos descreve aquelas saudosas 4 eras, com destaque para o período de Ouro:
"A Idade do Ouro foi a primeira época em que nutriu
por sua própria vontade, justiça e direito; não lei.
Nenhuma punição foi necessária; o medo
era praticamente desconhecido e as tábuas de bronze
não continham
nenhuma ameaça legal; nenhuma multidão suplicante
se apresentava à face dos juízes; não havia juízes.
Não havia necessidade deles. As árvores ainda
não haviam sido cortadas e transplantadas,
para enfeitar outras pragas
Os homens sentiam-se contentes em seus lares,
e não viviam em cidades"
Sendo que em este período imperava a “divina lei, justa e equitativa” não era precisa uma lei humana que se lhe assemelha-se
Podemos imaginar que em estes tempos os divinos “Pritis” ou pais da humanidade nos teriam legado a descoberta do fogo e, a obtenção, pela inventiva, das 7 máquinas primordiais – raiz de toda construção material no mundo: a roda, polia, plano inclinado, alavanca, balança, parafuso e pêndulo. Podemos fazer esse esforço imagativo e narrativo e, observar também a palavra (essência da imagem narrativa) como muito sagrada em toda mitologia. Como as letras que formavam cada palavra - verbo - início: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus" (São João, 1.1)
As letras iniciais de diversas culturas, sonhamos, beberiam das letras sagradas, por estes divinos pais reveladas.
Na tradição celta temos o Deus Oghma, muito importante para os Bardos e poetas (como o nosso admirável Eduardo Pondal, o transmissor em palavras do iniciático hino galego)
Oghma era o Deus da comunicação. Sábio artesão da palavra e da escrita e, ao mesmo tempo, guerreiro eficaz e feroz, anunciador da luz do mundo. Essa luz, que a sua vez, sempre dá passo a possibilidade de advento do Império Universal – da fraternidade humana, quando as consciências dos homens tenham, adequadamente, evolucionado.
A conexão com a palavra de Oghma nos lembra que não devemos ficar atados pelos pré-conceitos do medo, retidos nos rígidos estereótipos que observam ao “diferente” como inimigo – contra-atacante. O “diferente” simplesmente nos revela uma outra face do mundo – oculta dentro de nós mesmos – e parte duma unidade maior. Isso não quer dizer que não deve ser aplicada punição, pois a punição é precisamente o resultado lógico e justo da mala ação. Esse é o lado justiceiro do Deus Oghma como campeão da guerra.
Oghma – Deus da poesia e da eloquência – segundo o livro de “Ballymote”, foi precisamente, aquele inventor do “Ogham” ou alfabeto druídico oracular – baseado na “sagrada árvore”a que aludem a maior parte das mitologias. Por meio deste alfabeto as letras dos humanos podiam expressar, em certos aspetos, o poder das letras divinas.
E a “poesia”: a “flor e canto” da cultura nahualt do México – tem a flexibilidade para fazer a ponte, entre ambos dois mundos: o material efémero e o transcendente eterno.
Na Índia e em Pérsia aquela “árvore mitológica” era representada por cinco ramos, correspondentes aos cinco elementos primordiais da agua, fogo, ar e terra, junto ao éter – que simbolizava o transcendente espírito.
A famosa “árvore do conhecimento” que liga o paraíso celestial ao mundo terrenal – e, a sua vez, ao submundo do oculto – na mitologia germana e nórdica era representando pela árvore do “Yggdrasil” – como significado de “cavalo de Odin” – por serem esta árvore onde Odin-Wottan – se pendurou 9 dias e 9 noites para obter a “sabedoria das runas” – ou letras sagradas da tradição nórdica.
Ogham (equivalente a Ogmios na mitologia gaulesa), por sua vez, nos legou a sabedoria das letras celtas o sagrado: alfabeto do “Ogham” – relacionado também com a “árvore mitológica do conhecimento” – Aquela que na mística hebraica encarna o “organograma” da “Kaballah” – onde as letras sagradas estão referenciadas nos 22 caminhos da “árvore da vida”
Oghma de inicial linhagem “fomoriana” (sendo os fomorianos fomentadores da discórdia do A-dharma ou anti-lei) – alia-se, finalmente, aos luminosos “Tathua de Danamm” (filhos da Deusa Danu – promotores da concórdia – Dharma – lei – caminho do meio das virtudes). Em alguns escritos se apresenta sua linhagem diretamente entroncada com Dagda e Danu.
Em outras versões (Oghma) é o pai das “Senhoras da Irlanda” : Banba, Ériu e Fódla. De Ériu vem Eire – topónimo em gaélico para Irlanda. Sendo a própria Ériu padroeira da Irlanda.
Lembramos, os galegos, que Ériu, Banba e Fódla, abriram as portas a o nosso Druida Amergim, para tomar posse do território irlandês. Amergim entra na Ilha Verde como o pé direito do rigor, dado como o pé esquerdo do amor se entra no Templo.
Oghma aparece também na tríade celeste masculina nomeada de “os Três Deuses habilidosos”, junto a Lugh e Dagda.
Dagda representa o “Senhor da Ciência Integral” – o “Bom Pai” – A conexão com o “arquétipo primordial do pai”, como Lugh a faz com o “arquétipo do filho”
Dagda mantém os simbolismos de poder – a maza ou clave – que mata e ressuscita; a harpa “Uaithne” que controla as estações do ano e permite seu cambio; e o caldeirão que sempre está cheio, simbolismo da abundância divina.
A Harpa “Uaithne” controla com sua música – som – vibração – frequência – as emoções (que são previas a todo pensamento). Controlando as emoções podemos manipular o carácter e as ações dos humanos seres. A Harpa “Uaithne” pode emitir a “canção das lágrimas” provocando o choro da tristeza, pode fazer vibrar a música de “Mirth” que provoca a alegria do riso e sorriso ou, mesmo, provocar os “Acordes da música do sonho” que induzem a adormecer-nos.
A harpa é um instrumento vinculado a muitos Pantões de Deuses mitológicos – como na mitologia grega – onde também é associada, junto a Lira ou harpa pequena – as mesmas musas inspiradoras dos poetas.
A musa Erato (filha de Zeus e Mnemósina - a personificação da memória), era a musa da poesia romântica e dos hinos, que tinha o poder de transmitir aos seres humanos o dom da criatividade.
Hoje sabemos que o “ícone” renascentista Leonardo Da Vinci tocava a Lira. Dominar a harpa ou a lira era associado ao poder transformador da psique.
Psyche a belíssima mulher, que na mitologia grega, representa a “Alma” – estava etimologicamente associada a “borboleta” – Borboleta que encerra o mistério da metamorfose da crisálida – de crescimento e transformação: maturidade e busca da virtude pela beleza.
O escritor romano Apuleyo – no seu maravilhoso “Asno de Ouro” – nos adverte que para transformar nossa psique é preciso baixar ao abismo – inferno (subconsciente e inconsciente) e realizar os trabalhos precisos para nosso aprimoramento. Mas não poderemos realizar os mesmos se não estivermos na “tónica adequada” para enfrentar esse desafio. E somente podemos baixar a este inframundo (referenciado na tradição grega pelo “Hades”) com a guia, dum poder superior, que nos indique o caminho certo.
Finalmente removidas nossas sombras egoístas – “transformada nossa psique” – poderemos casar com o “amor verdadeiro” (escondido em nosso interior)- aquele “Cupido” – e os Deuses (no relato de Apuleyo, Júpiter e Vénus) permitir-hão a “boda alquímica” a vez que fazem nossa alma imortal por mérito próprio.
Estes mitos universais e, ao mesmo tempo, específicos duma determinada cultura ou civilização, numa determinada região e numa determinada altura histórica, fazem parte dos escritos de aprendizagem que nos abrem caminhos para compreensão da nossa alma individual e coletiva.
Expondo, o mito, os aspetos virtuosos mais transcendentes, regras morais e aspirações transcendentais, que variando de uma cultura a outra na forma, matem-se unidos por uma comum essência.
Estes trabalhos de transformação individual e coletiva (que os mitos expressam) durante milénios, séculos e anos de árduas batalhas contra as sombras medrosas (individuas e coletivas), nos tem legado em estes inícios do século XXI – a necessidade de consolidar seus princípios imateriais, acrescentando-lhe nosso particular conhecimento.
Aquele lema da “revolução francesa” de liberdade, igualdade e fraternidade – precisa acrescentar os novos valores das lutas pela preservação da natureza, os esforços em favor da “ajuda mútua” – que permite ganhar a confiança na cooperação humana e, procurar o bem comum, por cima do interesse individual ou Corporativo.
Estes duros trabalhos, prolongados no tempo, que permitem integrar e não dividir, dão sentindo a manter firme e alta a esperança, no meio da tempestade. Sabendo que por baixo das ondas agitadas, o grande oceano espiritual permanece em calma. Seguro e confiante.
Este modo de agir dos “bons e generosos” como fala o hino galaico – permite fixar na memoria coletiva esse impulso global de visualizar todas as causas. Dar voz aos excluídos e marginalizados, para erradicar, num futuro, trabalhando, dia a dia no presente, a injustiça, a insanidade mental e a pobreza.
Todos os caminhos de conhecimento de todas as tradições falam dos “arquétipos” do filho - filha, da mãe e do pai; assim como dos diversos ângulos da psique. Para no trabalho da transformação a virtude possa superar o instinto predador egoísta. Retirar espaço ao medo – dar-lhe mais espaços ao amor – e assim poder amar a mãe terra – respeitando e cuidado a natureza.
A deusa cananeia Asserah – era, a miúdo, representada por estatuetas – onde suas duas mãos sujeitavam seus seios – em sinal de estar diante da Deusa-Mãe-Primordial geradora e sustentadora da vida, através de seu útero criador da vida e do seu leite materno.
A “árvore da amendoeira” era a árvore da Asserah, pois seu fruto, quando começava a abrir-se dentro da bainha – era similar a vagina da mulher – útero da vida.
Todas estas sincronias mitológicas nos fazem relembrar aquela hipótese do investigador francês, René Guenón, quando afirmava existir uma raiz unificadora de todo o universo mitológico. Essa raiz era denominada, por ele, de “Religião Primordial” – que no caso dos povos indo-europeus (que Guenón bem estudou) semelha ter essa essência de unificação no transcendental o aprovado da evidencia.
E talvez, também, no seu razoamento, o filosofo indiano do Vedanta – Shankaracharya (fundador da escola “não-dualista” Advaista) estiver no certo quando afirmou o espírito da criatura humana não é, senão, que uma partícula (fractal) do Espírito Universal “Paramatman” – Sendo que este Espírito Universal vive no seio do Todo-Uno – Inmanifestado “Parabrahma”
E quiçá esta explicação nos permita, com mais profundidade, compreender a cristiana afirmação do ser humano ser feito “à imagem e semelhança do Criador” – E pelo tanto ser parte deste Ser – Ente - Consciência elevada do Todo Amor ou "Amor Incondicional", que cada um de nós terá de descobrir dentro de si mesmo.
E, finalmente, poda que seja na Alma – esse útero, taça da ração e das emoções – dentro da qual o ser humano transformando suas “sombras medrosas” poda transcender, para converter-se num Ser Integral – através da Reconexão, Redenção e Reintegração no Vazio Universal - Chengado a Unidade do Todo – Deus (ou como quer, cada pessoa, goste de nomear) Ente onde todas as partículas diversas – voltam a juntar-se, após a peregrinarem “ritual” de cada um pelo seu deserto – E essa Era de Ouro tenha, a sua vez, a ver com esse concretizar coletivo dessa, pelo de agora, ainda imaginada unidade - Irmandade – fraternidade!
E, deste modo, os humanos seres, por meio dos bons e generosos trabalhos dos virtuosos podem manter acessa sempre a Chama da Esperança!
Ninguém precisava
de soldados.
As pessoas eram pacíficas e tranqüilas;
os anos corriam em paz. E a Terra, livre de problemas,
sem ser ferida pela enxada ou pela relha do arado,
produzia
tudo o que os homens necessitavam, e esses homens
eram felizes
Ovido, fala-nos assim sobre Era de Ouro
O seres creciam na Era de Ouro. Nos agora tentamos, pelo intuito, o esforço, a razão e a experiência, crescer. Crescer é a chave para trasformar a alma, como bem afirma o Mestre brasileiro Albino Neves, no seu texto EM BUSCA DO CRESCIMENTO:
"Crescer é como uma mulher que está grávida, dói, deforma, deixa cicatrizes, mas em compensação traz como recompensa a alegria de ter gerado uma nova criatura.
Todo aquele que deseja crescer precisa aprender a perder, a se arrepender, a reconhecer o seu erro, a se corrigir.
Crescer requer vontade de aprender.
Crescer requer vontade de ser melhor.
Não adianta dizer que é forte quando a falta de coragem para corrigir a si mesmo é pequena.
Conhecer a si mesmo é a grande vitória da vida.
O inimigo do homem é ele mesmo, sua consciência.
O importante não é dizer que é forte, mas buscar ser forte o bastante para vencer os seus medos e imperfeições.
O importante não é tentar corrigir o próximo, mas a si mesmo.
O importante não é tentar convencer o outro que ele está errado, mas ver onde (você) errou.
A vida é uma escola em que o espírito vem em busca do crescimento através do aprendizado do quotidiano.
Quando tem a certeza de quem é não se busca desmerecer o outro, mas aprender com ele.
Viver sem medo de ser feliz é encontrar a felicidade dentro de si.
A busca é eterna e o poço da fonte de água viva encontra-se dentro de si mesmo.
Sem curar a si mesmo, o homem não pode ajudar a curar o próximo"
Transformar-se, de algum modo é, engravidar a velha alma de amor para renovar a Psyche - Nossa Nova mais Elevada Alma.
Comentários
Postar um comentário