O TEMPO DA TRAVESSIA - Por Artur Alonso

 


"Nós não somos o que gostaríamos de ser.

Nós não somos o que ainda iremos ser.

Mas, graças a Deus,

Não somos mais quem nós éramos"

(poema do reverendo Martin Luther King)


(A TROCA DOS TABULEIROS) -

O ataque do Irão às bases militares israelense de Nevatim, Netzarim e Tel Nof (na terça-feria do 1 de outubro do 2024), com lançamento massivos de mísseis balísticos, reforçados por algum míssil hipersónico, está a abrir os olhos do Ocidente sobre a mudança espetacular dos últimos anos, no panorama geopolítico global.

Após a queda na União Soviética e a chegada dos tempos “Unilaterais” do poder globalista ocidental, hoje estamos a assistir, ao lento mais firme abrolhar da “era da multi-polaridade” – O próprio secretario de estado note-americano Antony Blinkey tem reconhecido este facto, embora não se tenha acomodado, na prática, ao mesmo. Agora o Ocidente esta a promover o termo “multilateral” em oposição a “multi-polaridade” do poder emergente.

A perda da guerra contra o terror – iniciada após o derrubo das torres gémeas em 11 de setembro de 2001 – com a tentativa do plano Donald Rumsfeld e Dick Cheney de dominar as fontes de energia e rotas de distribuição – deu o primeiro tiro no pé para a realização dum plano maior – de amoldar o mundo a agenda global do poder financeiro e corporativo privado internacional.

E no entanto em relatórios de 2009, tanto a Rand Corporation, como outros “Think Tank” ou “Laboratórios de Ideias” – associados ao poder Ocidental, ainda orientavam nos seu relatórios a utilização do território da Ucrânia, para fazer quebrar a Rússia (lembrar a neo-conservadora Victoria Nuland repartindo “bolinhos” no 2014, na praça de Maidan, ao tempo que comunicava ao embaixador norte-americano em Kiev – sua famosa frase: fuck the European Union”) - Zbigniew Brzezinski, ex-conselheiro de Seguridade Nacional norte-americano, durante a presidencia de Jimy Carter - achava que assim como o Afeganistão fora tumba da URSS, a Ucrânia bem poderia ser a tumba da Federação Russa.   – Em quanto no Oriente as recomendações eram utilizar o poder israelense, combinado com sanções económicas para derrubar o Irão. Por inercia estas políticas teriam de estreitar mais a colaboração russo-iraniana. Desta colaboração, tal vez, tenha surgido o poder hipersónico persa atual.

Um dos objetivo era neutralizar a periferia da Eurásia (anel continental ou “Rindland” ) e depois controlar a “Ilha Mundo” de Nicholas J. Spykman, seguindo o velho guião da Teoria da Heartland do britânico Halford John Mackinder, para quem aquele que controlar a Eurásia, controlaria o mundo.

No entanto a intervenção do Irão e a Rússia na Síria, travou com bastante eficácia esse processo. Mas essa intervenção de relativo sucesso não houvesse sido possível sem o desgaste prévio económico do Ocidente.


Chegada ao limite biológico do poder financeiro baseado na usura - dívida

O Poder baseado no encadeamento do resto mundo ao controlo ocidental, por a submissão dos estados estados soberanos, no plano económico, à armadilha das dívidas – no político a agenda neoliberal, no cultural a modo de vida “note-americano” e no social ao consumo desenfreado, perdeu seu vigor com a quebra da bolha financeira dentro do pulmão sistémico.

O atingir do máximo biológico do modelo financeiro expansivo com a queda da City Londrina e Wall Street, em 2007-2008, pegou um golpe demolidor nas artérias principais daquele dinamizador e progressista (sonho dum progresso sem limite) do modelo de poder global ocidental.

A necessidade de respiração assistida e sangue suplementar, causada pelas hemorragias acontecidas desde aquele fatídico instante (da quebra do Lehaman Brothers) somente puderam ser amortecidas com uma política monetária ativa de Flexibilização quantitativa - “Quantitative easing” – com socialização das perdas das companhias privadas e privatização das ganancias das mesmas – Extraindo renda abusiva, desde os sectores mais fracos da sociedade ate as elites, no topo da pirâmide. Aumentando a usura e a pobreza global – abrindo a brecha abismal entre os mais ricos e os mais pobres – Mas também abrindo as portas a rebelião do sul contra o norte – e acelerando a queda do ciclo de poder comercial – do capital em favor do novo ciclo de poder cívico – social.

Impulsando uma mudança que ainda não podemos ver com claridade desde o modelo político progressista e neoliberal ate o novo modelo ainda por assentar conservador e socialista.

Paradoxos do destino – a velha associação direita conservadora e esquerda progressista – fica aqui invertida ao aparecer um polo conservador de direita socialista – enquanto o capitalismo foi tomado pelo seu polo de esquerda progressista. Na verdade a esquerda progressista tinha já perdido a batalha quando a “revolução permanente de Trosky” cedeu seu espaço a conceção tradicionalista do “socialismo num só país de Stalin” – Algum dia se terá de estudar, com mais atenção, este embate de inícios do século XX e sua repercussão neste início do século XXI – O mesmo socialismo de mercado chinês, atual, não somente bebe do pragmatismo de Deng Xiaoping – se não a sua vez, ainda que parece contraditório, do conservadorismo taoista e tradicionalista de Mao Zedong – onde o confucionismo ficou misturado com marxismo para a base social e o Taoísmo para os empreendimentos atuais da “elite” – com a sua visão de expansão económica fluente e sem roçar ou forçar…

Eis que aquele tipo de políticas neoliberais ocidentais da usura, no nível global, não poderiam ter-se mantido sem a manutenção do dólar como divisa de pagamento e reserva global (que implica na prática a manutenção duma renda permanente de reembolso – da periferia sistémica do sul global ao centro – financeiro ocidental).

Para essa manutenção ser efetiva a manifestação da força militar do Ocidente era precisa.


A preparação do embate sistémico

Isto provocou que as potencias emergentes desafiantes acordaram criar (lenta, contraditória em ocasiões, mas firme pela necessidade) um novo marco de relacionamentos, mais estáveis e igualitários – Tentando escapar da armadilha das dívidas.

Mas para essas potencias também era preciso mostrar músculo militar – e capacidade dissuasora.


Este novo marco – criou tensões, de difícil acomodo, nas faixas de pressão. Chegando ao atual momento, com o despoletar da guerra de Ucrânia – o plano falido saudita de controlo do Iemem, o plano falido ocidental de derrubada do governo da Síria (pela intervenção da Rússia), o plano falido de penetração na África através da Líbia e o plano falido de Jared Kushner (genro do ex-presidente norte-americano Donald Trump) dos acordos de “Abraão” – junto ao plano ainda não concretizado de controlo neoliberal da América do Sul.

Esta situação fez que muitos países da África, Ásia e América do Sul olharam para o novo contrapeso emergente – como uma alternativa viável – ao velho modelo, que se bem na Europa se tornou pouco eficiente, no sul já há muito tempo declinou ou definhou por inoperante e asfixiante.

A facilidade de “caminhar em dous trens” (devido ao poder emergente criar alternativas) condicionou a firmes aliados ocidentais a procura de mais abrigos. Esta visão de manter um pé em cada beira do rio, complicou em excesso, a estabilidade da nossa nova década em desenvolvimento continuo.

Arábia Saudita, Etiópia, Emirados Árabes e Egito já são membros oficiais do BRICS. Sendo o BRICS, junto a ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático) e a OCX (Organização de Cooperação de Xangai) as pontas de lança desta nova iniciativa do novo poder emergente.

A maiores a revolta dos países da África francófona – subjugados ao “franco CFA” – comandados pela Burkina Faso, Mali e Níger – está a ameaçar não somente a presença francesa na região, senão também norte-americana – com recuos e abandonos, que são preenchidos com novas alianças com a Rússia, a China, e agora também o Irão. E mesmo alianças como a de Burkina Faso e o Marrocos, que aparentando contraditórias, marcam esta procura de diversificação de redes de poder, típica deste novo ciclo de encruzilhadas de caminhos…

O desastre ocidental na Ucrânia – num beco sem saída militar, económico, demográfico e social – somente parece poder ser revertido elevando a cada dia mais a aposta no confronto – escalando já a um confronto direto RÚSSIA – OTAN (de o presidente ucraniano Volodimir Zelensky conseguir a permissão para atingir alvos no interior da Federação Russa)

O ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023 – a território israelense – denominado “Tormenta de Al-Aqsa” demoliu o corredor energético alternativo entre Europa-Israel-e os países árabes aliados, chegando a mesmo a Índia.


O embate progresso – tradição

O presidente Indiano Narendra Modi teve de equilibrar um bocadinho mais suas boas alianças com a Rússia e Ocidente, após a tentativa de George Soros de derrubar um dos seus aliados empresariais mais próximos, abalando seu império comercial, no campo das finanças: o grupo do magnate Gautam Adani.

O mesmo George Soros exclamava, em maio de 2023: “A crise de Adani provocará um renascimento democrático na Índia” – Ficando claro aqui o grupo de Soros – e sua filosofia de “portas abertas” – nascida da teoria da “reflexividade” influenciada pelos conceitos sociais do filosofo Karl Popper – se converteu há anos numa lança do ocidente progressista contra o tradicionalismo oriental – Este outro embate tomou em ocidente o nome de democracia contra autocracia, referenciando o modelo ocidental como “libertário” e o oriental como “totalitário”…

Por sua parte, o ataque de Hamas, em 7 de outubro de 2023, demonstrou uma questão por cima do debate intenso – de si o “Mosad” israelense, avisado pelos serviços secretos egípcios, e monitorizando a Franja de Gaza 24 horas por dia, permitiu o acontecer do mesmo, para assim favorecer a ocupação do território da Franja e a implementação inicial do plano Netanyanhu do Grande Israel bíblico (segundo o livro de Génesis 15:18-21)… A questão fundamental é, na pratica, a demonstração das fragilidades ocultas do estado hebreu, que anteriormente não podiam ser vistas, devido a uma superioridade tecnológica, militar e de segurança, que hoje já não possui


Após um ano do evento, Israel, não tem conseguido nenhum dos seus objetivos. Alem disso a ajuda de Hezbollah ao sul do Líbano obrigou Israel a deslocar forças, que poderiam ser muito úteis em Gaza, para a sua fronteira norte. Com danos colaterais económicos causados pela fugida de dezenas de milhares de colonos destes assentamentos.

Este evento situou ainda muito mais perto velhos inimigos – como a Irmandade muçulmana sunita e o poder do “eixo da resistência” inicialmente chiita – ampliando o arco do tradicionalismo e e minorando o pouco peso do progressismo na zona. Lembrar que Hamas e a Irmandade muçulmana de Turquia e Qatar apoiou a guerra contra Al-Assad na Síria, muito pertinente para a agenda progressista Ocidental, enquanto Hezbollah e Irao apoiaram o regime sírio – fazendo este abraçar o tradicionalismo islâmico. A minoria Alauita que obstenta o poder em Damasco – pode mesmo fazer de ponte entre mundo chiita e sunita. Porta que já abriu China ao amigar Teerá e Riad.


A escalada militar perigosa

Meu cérebro está indo para hipérbole

(trecho do poema “A gigante paisagem do leproso branco” de Tristian Tzara)

Por sua parte Netanyahu (acossado pela pressão judicial) achou uma escalada da tensão poder-lhe permitir apagar o fracasso de Gaza. O bloqueio total de Gaza e a intervenção militar, apesar da demolição total das suas cidades e mortes de civis a milhares, no que a Corte de Justiça Internacional qualificou já como genocídio, não permitiu concretizar nenhum dos objetivos fixado a priori.

O pior que o brutal ataque de 7 de outubro de Hamas, ficou para o mundo árabe numa anedota ao lado da resposta militar isarelense, unindo as massas árabes em um clamor a favor de Gaza, aumentando na psique coletiva do mundo islâmico, a necessidade de destruir o estado judeu, como um imperativo necessário para a sobrevivência do povo palestino. A abertura por parte da China e Rússia, do engavetado projeto, dos dous Estados, permitiria equilibrar as polaridades.

No entanto para isso acontecer o governo Neyantanhu deveria ser demolido – e finalizado seu plano do Grande Israel bíblico. Esta circunstancia apega muito mais ao primeiro ministro israelense a ampliar o frente de guerra – Chegando o ministro da defensa hebreu Yoav Gallant a afirmar estar combatendo em 7 frentes a vez. A abertura destes 7 frentes poderia atriar inevitavelmente a potencia norte-americana em ajuda de seu aliado vital na zona. Mas o ataque iraniano com misseis balísticos pode que tenha feito recuar EUA em esse plano.

Por sua vez, em 17 de setembro os hutis do Iemem (do movimento Ansar Allah) lançaram um míssil supersónico, que resultou imparável para as forças de defesa do estado judeu e atingiu uma central termoelétrica. A noticia do impacto passou a ser ocultada, quando o Mosad conseguiu velar este incidente com a “explosão” de milhares de pagers e dispositivos de comunicação no Líbano. Dias depois a morte de Hassan Nasrallah – tornou evidente para Irão – que de não atuar com contundência, a dissuasão persa ficaria anulada.


Israel ciente (a pesar da propaganda mediática ocidental a seu favor) da situação real de impotência: mais de 2 milhões de cidadãos abandonaram o país, junto a mais de 45 mil empresas, dificuldades crescentes do porto de Eliat (quase em falência) para funcionar (trás o encerramento do mar Vermelho, pelos hutis – que já derrotaram em este embate ao poder ocidental – encarecendo para Israel as rotas de subministro alternativas)– Assim como a falta real de recursos económicos para uma guerra prolongada… Faz preciso, mais que nunca envolver aos Estados Unidos no confronto.


Sincronias de guerra

Deste modo temos uma perspetiva idêntica no desenvolvimento de duas guerras: a de Ucrânia e a de Israel – A necessidade de ambos contendes de implicar uma força militar maior para poder fazer frente a inimigos que se tornaram, na pratica, superiores.

Inimigos que com sua “paciência estratégica” – e desgaste tático do adversário, estão cozinhando lentamente seus contra-atacantes (Israel e Ucrânia) em agua a ferver, encaminhando-os, devagar, a uma capitulação factual.

Eis o porque da escalada de Netanyahu – que fez o Irão dar uma resposta de maneira contundente - mas dissuasora, não querendo atrair EUA ao confronto (mas não podendo evitar uma demonstração de força, que de não ser realizada – deixaria os persas a espera de movimentos mais ousados – tal vez de mais assassinatos seletivos ou coletivos, mesmo dentro do Irão – por parte da inteligência israelense?).

Netanyahu sonhava com este ataque – que permitiria uma retaliação, que obrigaria ao Irão a uma guerra aberta, o qual atrairia os Estados Unidos ao conforto, deitando pela lixeira a estratégica iraniana de desgaste paulatino do adversário.

O problema é que o ataque do Irão foi demolidor – sem possibilidade nenhuma de defesa. Benjamin Netanyahu, tal vez por primeira vez na sua historia política - assistiu a uma roda de imprensa, após o ataque, em “shock” (ate o mesmo o câmara de televisão teve de subir a imagem do recetor para evitar ver as mãos trementes do primeiro ministro hebreu) – E a chamada telefónica ao presidente russo Vladimir Putin – também nos diz muito do nervosismo do primeiro ministro israelense (a pesar dum ataque posterior na Síria, de Israel, perto duma base russa).

Se retaliar, a resposta do Irão pode ser esmagadora e a entrada dos EUA pode não significar uma vitoria – Os hutis do Iemem, pode que o mesmo Iraque e a Síria, podem ter sucesso eliminando as bases norte-americanas na zona – e mesmo os porta-aviões que chegar a zona podem ser atingidos por misseis hipersónicos, para os quais todavia ocidente não tem defesa…

Uma outra saída é utilizar o poder atómico de Tel-Aviv, mas quem garante que Irão não tenha já desenvolvido esta tecnologia – e possa retaliar com a mesma medicina – carregada em hipersónicos… O ataque da noite de terça-feira de 1 de outubro, pode ter sido realizado, por Terão sabendo que guarda cartas muito mais potentes no baralho…


Um terramoto recente no Azerbaijão fez sugerir, alguns espertos, pela analise da onda – ter sido causado por uma prova nuclear no Irão.

Casualidades ou não, Israel anunciou, após este facto, o recuo na sua intenção inicial de atingir centrais nucleares – na sua retaliação ao ataque misilistico de Teerão.

Deste jeito o recente ataque ao território israelense pode significar um antes e um depois em todo o intrincado “nó gordiano” do Oriente Próximo. O no do rei frigio Gordias, que Alexandre o Grande cortou com um golpe de espada – voltou a ser atado no Oriente. Poda que esse nó começasse a ser desatado após o ataque iraniano de 1 de outubro de 2024

Se for assim este acontecimento passará as páginas da historia, como um dos pontos de inflexão entre a queda do mundo unipolar e o levantamento do novo mundo multi-polar


A necessidade humana do acomodo geopolítico

Para a humanidade um reconhecimento de ter morrido este mundo unilateral e nascido o mundo multipolar – por parte de Ocidente – ao tempo que se abrem negociações para um acomodo geopolítico global – seria a opção mais saudável

A proposta de paz do chanceler alemão Olaf Scholz, pode ser uma boa nova, se finalmente se os EUA aceitar (dado a proposta brasileira e chinesa, não poder ser aceite pelos norte-americanos: seria dar-lhe um protagonismo diplomático a Beijing – muito contraproducente para Washington)

Estas são as águas turbas nas que nos movemos – e as próximas semanas vão ser muito desafiantes, eleições norte-americanas incluídas.

Entendamos os povos que ser pessimistas vendo a guerra como inevitável pouco ajuda. O poder da mente coletiva (desvalorizado) pelas elites governantes – não deve nunca cair no abismo da derrota. Lembremos sempre que nós somos maioria e, a pesar de acreditar sermos irrelevantes, os povos do mundo se acordar podem parar todas as armas dos belicosos

Mas para isso, primeiro teremos de vencer nossas sombras internas (nossa própria psique predadora e guerreira), e pacificar nossas próprias almas… Pois o que observamos fora não deixa de ser um reflexo do que carregarmos dentro.

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos"

- (Fernando Teixeira de Andrade) -




ANEXO -

A COMPLEXIDADE DO MÉDIO ORIENTE

A 14 de outubro de 2024 o “Middle East Monitor” informava, que segundo a Liga Árabe, o Egito tinha perdido perto de 6 de bilhões de dólares, pelo feche seletivo do Mar Vermelho (no estreito de Bab al Mandeb), realizado pelos milicianos Huties. Perdas que a sua vez afetam à economia de Arábia Saudita e o Sudão.

O intelectual francês Thierry Meyssan vem de publicar, a 8 de outubro, um artigo intitulado: “Irão e Israel” no que acrescenta as relações peculiares de ambos estados (ocultas pelas ameaças de guerra atual). Se bem existe dentro do país persa uma fação “anti norte-americana e britânica” (que no seu dia esteve representada pelo ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad), hoje, segundo a visão do autor do artigo, o sector pró EUA teriam mais força que nunca em Teerão.

Meyssan fala dos velhos relacionamentos entre os ex-presidentes Hachemi Rafsanjani e o falecido Hassan Rouhani, com o grupo da direita internacional, favoravel ao Estado de Israel, liderado por Elliott Abrams (do Council on Foreign Relations ) e Liz Cheney (filha do vice-presidente Dick Cheney). Lembrando a colaboração do Irão na Guerra da Jugoslávia, dentro dos combates na Bósnia-Herzegovina , junto com a Arábia Saudita, em favor do Presidente Alija Izetbegović.

Como apontamento Meyssan afirma que a família do novo Ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano, Abbas Araghchi, espera com impaciência que Teerão conclua um acordo com os Estados Unidos e que o embargo comercial seja levantado, devido a esta família possuir a maior empresa de venda internacional de tapetes iranianos. Sendo o mercado Ocidental uma das suas maiores fontes de benefícios para esta industria.

No entanto o peso da Guarda Revolucionária Islâmica, e sua posição anti-israelense e anti-ocidental, junto com os desenvolvimentos no campo de batalha da Síria (aliados com a Rússia), do Iemem, Iraque e o Líbano, com a implicação do braço externo da Guarda iraniana ou força Quds; não deixariam muita margem de manobra ao setor pró ocidental iraniano, do que fala Meyssan, para opor-se a realidade geopolítica a desenvolver-se no terreno, com guerra já direta Hezbollah – Israel, no Líbano.


Por outra parte documentos vazados por e-mail, e recolhidos pelo “The Grayzone” tem acusado Carl Gershman, diretor de longa data do National Endowment for Democracy (NED), de tentar realizar uma “revolução colorida” no Irão, quando as manifestações de protesto do movimento contra o hijab, após a morte da jovem cidadã Mahsa Amini, retida pela “policia da moralidade”, a 16 de setembro de 2022. Estas acusações tem complicado muito mais o relacionamento Irão – Ocidente.

Na Síria a aviação russa bombardeia, regularmente, as milícias curdas aliadas dos EUA, na região de Idlib, ao noroeste do país. A o tempo académicos, figuras políticas e figuras tribais independentes do nordeste da Síria estão a tentar abrir um diálogo direto entre todos os partidos curdos que ocupam a região, por um lado e o Estado sírio, por outro, com o intuito de chegar a um acordo negociado, que possa facilitar uma paz momentânea. Abrindo a porta para uma reconciliação futura.

Em recente entrevista, feita por Nima Alkhorshi, ao eminente economista norte-americano Michael Hudson, este último afirmou: “...se Israel fosse um país soberano, já não seria um aliado americano, porque toda a guerra que os Estados Unidos estão a travar, não só no Próximo Oriente, mas também na Ucrânia, é uma guerra contra a soberania. É por isso que toda esta guerra mundial entre os EUA e os países da NATO contra a maioria global - China, Rússia e outros países BRICS - é uma guerra para fazer um controlo unipolar dos EUA para impedir que todo o resto do mundo seja soberano”

Se esta hipótese de Hudson for real, estamos diante duma guerra híbrida mundial, onde entre outros planos se debate o planeamento dum mundo – unilateral – do poder privado por cima dos estados, contra um modelo de um novo mundo de poder soberano estatal – multipolar controlador da iniciativa privada.

Hudson volta a afirmar na mesma entrevista: “...se olharmos para a origem dos armamentos de Israel – para além do dinheiro. São bombas americanas que estão a ser lançadas em Gaza e no Líbano. São navios americanos que o estão a apoiar. É o dinheiro americano que também o está a apoiar. E isto sem contar com os títulos de Israel emitidos por autoridades não governamentais. Portanto, toda a ideia de soberania é irrelevante. Podemos olhar para esta guerra contra a soberania, e especialmente contra a soberania do Iraque e da Líbia, para usar Israel como um satélite americano para impedir que o Próximo Oriente se torne soberano, no controlo, não só do seu próprio petróleo, mas no controlo do dinheiro da exportação que faz desse petróleo”

Em recente artigo o analista russo Marat Khairullin, nos aproxima a uma visão de declínio profundo do poder militar do Ocidente, com referencia a seu braço armando a NATO (OTAN), dando-lhe a ração aqueles analistas, que por todo o mundo, têm referenciado como a crise de 2007-2008, a anterior "guerra contra o terror" e a transformação duma economia industrial em financeira (no Ocidente) tem debilitado profundamente as capacidades do complexo militar industrial da Europa e dos EUA.


O próximo 22 de Outubro, a 16ª Cúpula dos lideres dos BRICS, em Kazan, traz como referencia principal: “Reforçar o papel dos estados Brics no sistema monetário e financeiro internacional” e “expandir o uso das moedas nacionais dos estados Brics no comércio mútuo”. E dizer fomentar a Soberania Estatal frente ao poder Financeiro Privado Internacional

Em todo este embate, Médio Oriente ou Ásia Ocidental, como estão a denominar a região os poderes BRICS, se torna um enlace fundamental para o transito terrestre, marítimo e aéreo, entre três continentes: Europa-África-Ásia- E deste com o mundo. Com a importância que muitos analistas dão aquelas teorias do Heartland de Mackinder e Rimland de Spyman, que ainda condicionam as visões geopolíticas atuais.

Um pequeno apontamento na área do transporte: companhias aéreas europeias denunciam ante a União Europeia o prejuízo da competência das aviações chinesas, dado companhias aéreas chinesas têm tempos de voo mais curtos e custos mais baixos, ao beneficiarem da permissão para usar o espaço aéreo russo, após a guerra na Ucrânia (algo proibido, agora, para aos europeus).

Assim que todo assemelha o embate na Ucrânia e o embate na Médio Oriente, formar parte duma mesma guerra pela primazia. A estes embates se unirá o mar da China – Taiwan ou as duas Coreias?

Ou finalmente poderemos chegar a uma anelado, pela humanidade, acomodo global – entre estes dous mundos: unilateral ocidental – multilateral dos emergentes?

A complexidade, como sempre, encerra também sua simplicidade e vice-versa.  



 NOTA – DE ACLARAÇÃO –

A retaliação israelense ao ataque com misseis iraniano de 01 de outubro produziu-se 25 dias depois. No entanto o tipo de ataque monstra um interesse de Israel em não escalonar – alvos militares foram atingidos e 4 oficiais mortos. No entanto as defensas iranianas tiveram um bom desenvolvimento. Mas este ataque obriga a Teerão a dar uma nova resposta – Tel Aviv pus em causa a sus capacidade dissuasora.

Eis o notificado pelo meio The Cradle a 27 de outubro de 2024: “Foad Izadi acredita que um terceiro ataque iraniano contra o estado de ocupação é provável porque "os líderes do Irã estão muito alinhados com a análise de que atacar o país não deve se tornar normalizado. Mohammad Marandi diz que a retaliação de Teerã não é uma questão de se, mas quando: "Mesmo que Teerã não tivesse sido atingida e apenas Ilam tivesse sido alvo dos israelenses, a liderança iraniana teria reagido"

De todos jeitos este novo facto não alterna para nada o razoamento esgrimido em este artigo e a precaução utilizada por Israel evitando uma maior escalda, da todavia mais a razão a este texto.

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